Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 8 de julho de 2021

Gal Costa - Dez Anos de Carreira (O Globo - 1977) - 2ª Parte

"- Você ficou totalmente segura com este seu último trabalho, principalmente o show 'Com a Boca no Mundo'? Não teve nenhuma dúvida, nenhuma hesitação com relação aos rumos da sua carreira? - Não, não tive em nenhum momento. Acabou os Doces Bárbaros e fiquei uns quatro meses parada, pensando, escolhendo repertório. Só houve dúvidas com relação a isso, a repertório, e também uma resistência da minha parte a fazer no teatro Carlos Gomes, que eu achava muito longe de tudo, muito grande... Mas depois Flávio Império me convenceu que podia fazer uma coisa bonita lá, e eu aceitei. Foi minha hesitação. De resto era aquilo mesmo que eu queria fazer, era um espetáculo sem direção musical nem nada, eu é que passava os climas todos para os músicos, que são as pessoas que entendem mesmo disso (eu, por exemplo, não sei nada de música assim na teoria). Mas saiu o que eu quis fazer. E eu nunca faço as coisas de outro modo, sempre me jogo inteira no que faço, é aquilo mesmo, não tem como me arrepender. Se acontecem erros, acho bom cometer alguns, mas se eles fazem parte daquilo em que você acredita totalmente naquele momento, então é como se não existissem, fazem parte de você. Eu sei que a crítica pichou muito o espetáculo, mas eu não liguei. Eu subia no palco toda noite com mais força, mas acreditando. E tem que ser assim, se não não se faz nada.
- Você hoje ainda tem o mesmo pique dos tempos do tropicalismo de 'Fa-Tal'? O passar do tempo não te assusta? Digo isso porque você tem uma imagem muito forte de roqueira, de pessoa ligada à juventude... - E eu tenho mesmo por causa do meu cabelo, meu modo de vestir, de viver, tudo isso fala de um jeito roqueiro que eu tenho mesmo, é muito forte em mim, e eu gosto. Hoje em dia eu acho que não tenho nenhum gênero musical específico, eu canto um pouco de tudo, é isso, por exemplo, que eu gosto mais nesse meu último disco 'Caras e Bocas', o fato de ter um pouco de tudo. Mas eu acho que eu tenho um fundo muito forte de roqueira. E essa coisa negra que eu sou fascinada, música negra de toda espécie, Stevie Wonder... Sou fã de Stevie Wonder. E, eu acho que tenho uma alma negra. Então eu sou mesmo ligada a uma coisa de juventude por causa de tudo isso. Mas já foi mais. Na época do tropicalismo eu tinha uma imagem muito radical, com os gritos, o cabelo... As pessoas ou me amavam loucamente ou me achavam horrenda, piolhenta. E a minha plateia era toda de meninada cabeluda, hippie. Hoje eu diria que está mais equilibrado, tem meninada , mas tem outras pessoas também, mais caretas, mais comportadas, e isso é bom. Mas o pique, o meu pique é o mesmo, e até muito maior, porque cada vez mais me sinto à vontade no palco, então não me guardo em nada, me coloco inteira ali, é muito mais forte. <b>- Hoje, o que você acha que determinou essa sua explosão na época do tropicalismo? Foram os acontecimentos externos, o momento? - Ah, foi o momento todo muito forte, aquela época de discussões fortes sobre forma, música brasileira, sobre tudo... Isso passou pra mim. Meu mestre sempre tinha sido João Gilberto, e ainda hoje é: aquela coisa pura, exata, mas muito intimista. Eu era assim. Depois eu explodi, foi o avesso de tudo. Veio o grito, e tudo mais. Mas depois não sei se a palavra é bem consciência, ou maturidade... as palavras traem um pouco a gente. E, bom, maturidade, veio o equilibrio entre eses dois lados... acho que é maturidade mesmo, uma coisa muito bacana de se alcançar. Acho que a gente pode localizar isso mais ou menos na época do 'Fa-Tal', por aí... - E o que foi feito de todo esse momento forte que você falou? As explosões terminaram? - Bom, depois de uma explosão tem sempre outra, de forma diferente. As explosões nunca terminam, sempre vem outra e outra, sob novas formas. Estão aí até hoje.
- Mas hoje, você estando madura, como você disse, você ainda estaria disposta a se arriscar, a correr algum risco em seu trabalho? - Eu estou sempre me arriscando, o risco esteve sempre presente no meu trabalho. A coisa experimental junto com o lado mais comercial. Eu corri risco quando me apresentei com Caymmi, quando fiz o Teatro Carlos Gomes... o risco já está dentro mesmo da minha carreira. Agora, eu sei que não existe mais o risco que possa, como direi, abalar a minha posição dentro da música brasileira. Mas num outro sentido, o risco está dentro das coisas que eu faço. Como eu disse, o pique é o mesmo. É até maior, porque eu não me guardo. Eu não me preocupo mais com a minha voz, eu sei que canto bem, então a voz vai levada só pela emoção. É uma coisa muito mais relaxada, mais intensa.
- Você disse que era fã do Stevie Wonder. É fã de mais alguém? Alguma pessoa nova, aqui no Brasil, você gosta? - Sou fã de Rita Lee. E de Cassiano. Acho quie ele tem uma voz maravilhosa, canta de uma maneira incrível, tão próximo de Stevie Wonder... do pessoal novo... olha, acho que só tem o Cassiano, mesmo. Sou fã dele. -Você disse que o momento do tropicalismo estimulou você a explodir. E hoje, o momento que a música brasileira passa te estimula também? - Me estimula, sim, a ser cada vez mais como eu sou e acreditar no que eu faço. Essa preocupação com política, com discussões políticas, essa cobrança... - Você acha que isso é o mais importante deste momento? - Acho. Do ponto de vista da crítica, é o que tem mais, e está mesmo dentro de tudo o que está acontecendo no Brasil. Agora, a gente... eu continuo criando inteiramente desprerocupada disso. Eu sou uma artista, me preocupo com a arte. E essa cobrança toda me faz ficar cada vez mais ligada ao que eu penso ser o papel político do artista, que é o que eu falei no começo."

Um comentário:

  1. A jornalista preocupada com o ''passar do tempo'',pois Gal já tinha 32 aninhos,rs.

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