Palavras Domesticadas

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terça-feira, 13 de julho de 2021

Lou Reed - Da Barra Pesada À Paz Doméstica (Revista Rock Stars - 1983)

Lou Reed foi um artista cuja imagem era associada a um mundo obscuro e barra-pesada. Uma espécie de poeta maldito que retratava em suas letras um submundo onde se encontrava uma camada marginalizada da sociedade americana. Sua imagem artística foi forjada nesse segmento, e Lou lançou vários ótimos discos, desde sua saída do Velvet Underground, uma banda também com fama de maldita, mas que é reconhecida e cultuada até hoje. Mas, enfim, Lou Reed deixou uma marca bem pessoal no panorama do rock. Em sua edição de estreia em 1983, a revista Rock Stars traçava um perfil de Lou Reed, e contava um pouco de sua trajetória:
“ ‘ Os críticos e as pessoas em geral pensam que eu sou os personagens que eu invento. Eu pessoalmente não acho isso ruim, mas eles estão redondamente enganados. Tudo o que eu faço é observar as coisas, as ruas. Observar nada, eu roubo mesmo. Eu roubo qualquer fato, qualquer ideia, qualquer canção que eu acho boa. O verdadeiro Lou Reed é uma pessoa que cuida da saúde, que conversa sobre negócios e sabe exatamente quanto ganha.’ Em meados da década passada, todo mundo achou que Lou Reed estava apenas querendo embaralhar os conceitos sobre ele, propondo outra imagem, contraditória com as anteriores. Hoje estas declarações soam mais verdadeiras, quando The Blue Mask e Legendary Hearts mostram o ex-príncipe das trevas calmamente recolhido à paz doméstica. Antigos fãs sentem-se traídos.
Vai aí certa dose de exagero, assim como exagerada era a idolatria que o Lou Reed ‘maldito’ provocava. Filho de um próspero advogado, Lou Reed se debruçou sobre o subterrâneo depois de ler autores como Rimbaud, Baudelaire, Genet, Kerouac. Foi aos quarteirões do meretrício observar a decadência, ‘as figuras, as bonecas’. E daí emergiu como um cronista da barra pesada, com poesias e letras de músicas sobre drogas e drogados, assassinatos, paranoias, taras. O poeta não vingou, o letrista sim. Como acontece sempre nessas descidas aos infernos, não permaneceu apenas observando os fenômenos. Viciou-se em heroína, teve ligações homossexuais. E, a meio caminho, decidiu se preservar – talvez porque já tivesse chegado onde queria, com o reconhecimento de seu talento.
Em Coney Island Baby (1976), ele já aparece distanciado do ambiente que retratava, avaliando com simpatia e compaixão a saga dos que se esbatem nos subterrâneos, buscando as verdades e ideais ausentes do mundo do desempenho e do consumo. Aliás, foi quando este se demonstrou inabalável, após as jornadas contestatórias dos anos 60, que muitos sonhadores resolveram se entregar aos pesadelos, à marginalização assumida, à loucura e auto-destruição. Como os nobres orientais de outrora, não quiseram sobreviver à derrota. Desatinados mártires, tombaram nos becos e nos hospícios, enquanto a maioria silenciosa desfrutava os cânceres de sua vitória. Enfim, em 1982, Lou Reed enterrou o passado e desfez as lendas a seu próprio respeito. Há muito deixara de ter algo a ver com o ‘wild side’. Casou e confortou-se com o amor possível: amores lendários e sonhos inatingíveis não aquecem a velhice. Ainda se permite chorar pelos que ficaram no caminho, os Johnnys e Mickys e Jerrys que não chegaram a porto seguro. Mas, decididamente, já se separou dos personagens que ‘inventou’ em suas melhores canções.”

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