Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 12 de julho de 2021

Legião Urbana - Uma Noite de Som e Fúria

Os shows da Legião Urbana, uma das bandas mais populares dos anos 80, sempre foram carregados de grande expectativa, e muitas vezes polêmicas. Mas em termos de repercussão negativa extra-musical, talvez o mais comentado tenha sido no estádio Mané Garrincha, em Brasília, justamente a cidade onde a banda se formou. Esse show aconteceu em 1988, e causou um enorme mal-estar entre a banda e os fãs brasilienses, a ponto da Legião nunca mais tocar na cidade. Havia um clima de violência entre o público e os policiais responsáveis pela segurança, a ponto do show ser interrompido algumas vezes. Mas o que incitou mais fortemente o clima de revolta naquela noite, foi o fato da banda ter antecipado o fim do show, por não se sentir segura e à vontade no palco. Muitos fãs se sentiram desrespeitados, e iniciou-se um quebra-quebra generalizado. O show durou menos de uma hora devido ao pânico que se formou , e os fatos foram relatados em matéria da revista Bizz, muitos anos depois, em março de 2000. Segue a matéria: “É Dado Villa-Lobos quem garante a autenticidade do slogam: ‘Show da Legião, sempre uma nova emoção’. Mas nada foi tão perigosamente emocionante para Dado, Renato, Negrete e Bonfá do que a noite friorenta de 18 de junho de 1988, quando a Legião Urbana realizou o mais polêmico show de sua carreira, no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Foram 58 minutos de som e fúria presenciados por 50 mil pessoas – entre elas 11 mil que não pagaram ingresso.
A confusão toda começou cedo. Dezenas de ônibus que vinham das cidades-satélites foram apedrejados por uma horda de fãs (?) ansiosa para conferir a volta da Legião, um ano e meio depois do último show na cidade. Era a turnê de lançamento do disco Que País é Esse?, e a música que batiza o disco foi a primeira das onze músicas tocadas pela banda. ‘Boa noite, Brasília. A gente vai se divertir? Legal’, saúda Renato, eufórico com o retorno à capital. ‘Quando saiu do Rio, ele falou pra mim: ‘Tô indo para fazer o show da minha vida’, revela dona Carminha Manfredini, mão do vocalista. Menos de 20 minutos depois de iniciado o espetáculo, o primeiro incidente sério. A segurança falha e um desiquilibrado mental pula no pescoço do cantor, que tem de usar o microfone para se livrar do invasor. ‘Eu disse que Brasília era uma cidade estranha...’, brinca Renato. Ele enxerga uma série de brigas perto do palco e avisa: ‘Tá todo mundo se matando aqui, hein?’ e emenda com ‘A Hard Day’s Night’, dos Beatles. A alegria do início se dissipa e predomina o clima de tensão.
Durante ‘Ainda É Cedo’ (música que sempre foi utilizada pela banda para resolver problemas de som sem precisar interromper o show), pipocam mais brigas na frente e ao lado do palco. Os seguranças descem o braço com vontade e Renato toma as dores de um fã que está sendo espancado. “Para, solta ele, solta! Que história é essa de mão no cara? É por isso que a gente só volta aqui de ano em meio em ano e meio, não dá pra se divertir...’, lamenta.
A situação se torna insustentável com a explosão de bombas de São João no palco. ‘Da próxima vez a gente vai acender a luz e ir embora’, ameaçou Renato, antes de começar a cantar ‘Faroeste Caboclo’. As bombas continuam a estourar perto dos músicos e, depois de ‘Tempo Perdido’, o vocalista anuncia a última música do show: ‘Esta é para todos nós...’, e começa a cantar ‘Será’ (‘Brigar pra quê/Se é sem querer...’). A Legião deixa o palco. O público, que esperava uma maratona de mais de duas horas, não se conforma com o encerramento abrupto. Quem está na frente começa a destruir as grades de proteção do palco e, no empurra-empurra, muita gente fica machucada e desmaia. O posto médico registra 400 atendimentos e, na saída, mais depredação e inúmeras brigas com a polícia, que joga cavalos e cachorros em cima do público. O caos é total, e não há a menor possibilidade de um bis. A Legião deixa o estádio. Renato segue direto para o apartamento dos pais, na Asa Sul, onde chega em estado de choque e mergulha numa banheira cheia com água quente e sal grosso.

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