Palavras Domesticadas

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terça-feira, 16 de junho de 2015

Um Guia para o Clube da Esquina - Jonal do Disco (1980) - 2ª Parte



“Beto Guedes/Danilo Caymmi/Novelli/Toninho Horta (EMI/Odeon, 1973) – Espécie de pau-de-sebo sofisticado (pau-de-sebo, no mundo do disco, é aquele LP, em geral de artistas da chamada ‘faixa popular’, que reúne vários estreantes, cada um com uma faixa. Quem ficar, ficou – e ganha um contrato melhor, individual). Esta obra a oito mãos acabou derrubando os quatro. Como previram – imprensados em torno de uma privada, num cubículo de sanitário – eles estavam jogados, na melhor das hipóteses, às baratas. Nenhuma chance de mostrar qualquer coisa mais ampla, mais consistente: o carioca Danilo ficou com duas faixas, ‘Ponta Negra’ e a belíssima ‘Serra do Mar’ (e flautas em quase todas as outras), assim como o pernambucano Novelli, - ambos são alguns dos não-mineiros mais assíduos do Clube da Esquina. Toninho também mereceu duas – e a ambiciosíssima ‘Manuel, o Audaz’, andou tocando nas rádios undigrudi do Rio, por uns tempos, Beto Guedes preencheu sua quota com maestria – e me pergunto como não ouviram que ali, naquela fusão inédita de Beatles e Montes Claros, naquela voz peculiar e inclassificável, estava um trunfo certo. Bastava ouvir ‘Belo Horror’ – minisuite (como se gostava disso, nos idos de 72/73!) de amor e ódio a Minas  Gerais.
Som Imaginário/Matança do Porco (EMI/Odeon, 1973) - A derradeira encarnação do Som Imaginário (em disco) - Wagner, Tavito, Robertinho, Luiz Alves - é, na verdade, o primeiro grande projeto de Wagner Tiso. Suas são todas as faixas - e o disco respira o seu clima intrincado, nas surpresas que extrai das massas de instrumentos, a tapeçaria dos andamentos múltiplos, caprichosos. É um disco fora do seu tempo - adiante dele. Pode ser ouvido agora, sem susto, mesmo pecando na qualidade de som (como se demorou a acertar estúdios e mixagens, no Brasil!). Tem participações fantasma (não anunciadas na capa) de Toninho Horta e Fredera, todas com muita distorção pro meu gosto, assimétricas no desenho rigoroso dos arranjos de Wagner. Com suas obsessões - a valsa 'Armina' retomada quatro vezes ao longo do disco, estilhaçada e refeita; o tema da 'Nova Estrela' recomposto em duas leituras, 'A nº 3' e 'A nº 2'. E um arrepio - o 'Bolero', onde a voz de Milton, quase anônima, dança como mais um instrumento.
Beto Guedes/A Página do Relâmpago Elétrico (EMI/Odeon, 1977) - O disco-surpresa de 77, cumprindo todas as promessas anunciadas há quatro anos. Voz improvável e pessoal - que andaram comparando, idiotamente, a Ney Matogrosso - Beto fez uma estreia de acordo. Estreia mineira, trazendo um tipo de repertório fora dos circuitos habituais, música (ainda) com jeito de estrada, montanha, chuva na mata. Decantação de uma síntese antiga e amorosa, do bandolim e serestas de Seu Godofredo Guedes aos  Beatles e tudo mais. Notável participação de Flávio Venturini como músico ('Chapéu de Sol', 'Choveu', 'Bandolim') e compositor (a inesquecível 'Nascente', letra de Murilo Antunes). E, de quebra, um saboroso sucesso de férias: 'Lumiar' (letra de Ronaldo Bastos, mais uma adesão carioca ao Clube).
Beto Guedes/Amor de Índio (EMI/Odeon, 1978) - O primeiro sucesso comercial de Beto é, justamente, seu disco mais fraço. Material desinspirado, andando em círculos, repetitivo. A voz está um sopro, lutando contra uma mixagem esquisita, onde as luxuosas orquestrações de Wagner parecem querer derrubar, a todo instante, os frágeis fios de canção. De notável, uma parceria insólita - 'Luz e Mistério', com Caetano Veloso. (Cumpre-se o canto: 'da Bahia a Minas/estrada natural').
(continua)

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