Palavras Domesticadas

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domingo, 21 de junho de 2015

Jorge Ben - Jornal de Música (1975) - 2ª Parte

"Já foi dez vezes à Itália. Apresentou-se inclusive no Teatro Sistina, um, vamos dizer, 'templo' da música italiana. No Japão, em 72, foi o desbunde. (Ouvi a fita 'ao vivo': a Phonogram deveria lançar imediatamente). Acompanhado do Trio Mocotó, Jorge ia e voltava pelo repertório, inventando ritmos internos às catadupas, de música em música. Na França também esteve várias vezes, mas a última, depois do Midem deste ano, foi incomparável: 'Rapaz, o rádio do carro tocava minha música, eu ouvi. Cantei no Teatro Champs Elisées, um teatrão enorme, daqueles de três andares. Olhava e via no fundo aquelas cabecinhas. Como tinha gente! Nas filas da frente, o ingresso custava mais caro, então aparecia aquele pessoal cheio de joias, capotes, peles. Lá pelo meio do show, tirei uma daquelas damas pra dançar. No dia seguinte, elas fizeram uma fila pra sambar comigo'. De duas noites programadas, Gil fazendo o primeiro show, Jorge o principal, ainda houve uma terceira apresentação, nesta Jorge sozinho. Na televisão, no programa de Gilbert Becaud, recomendaram a ele que cantasse 'Brother', uma faixa de seu último LP 'A Tábua de Esmeraldas', despercebida no Brasil: 'ela está no hit-parede francês'. Também um pout-pourri ('Taj Mahal/País Tropical/Fio Maravilha') virou parada de sucesso. Mas, as histórias tanto da agora parisiense 'Brother', quanto da ainda noviça 'Meu Glorioso São Cristóvão', do álbum duplo, se parecem em singeleza. A primeira nasceu de audições de gospels, 'aquela música de igreja daqueles negros, da Mahalia Jackson, louvando Deus'. A segunda, da devoção de Jorge Ben por São Cristóvão, imagem reproduzida num escudinho de seu carro, e oração que ele carrega sempre no bolso: 'Meu Glorioso São Cristóvão/meu glorioso mártir'. Jorge respeitou o texto original em algumas partes, em outras (sobre a música fluente de um esplêndido blues), colocou 'coisas modernas', como 'pelos caminhos de terra/subterrâneos/mar e ar', querendo abranger, como ele mesmo diz, em 'Tábua de Esmeraldas', o espaço de todas as conquistas humanas.
Da França, Jorge Ben escalou em Bruxelas, na Bélgica. 'O trem era o mesmo', mas de repente entraram aqueles caras de farda, falando schhaus, chois, raulski, rels, parecia da Gestapo. Aí eu notei que tinha mudado de país. Cheguei no teatro, pensei: deve vir umas cinquenta pessoas. Brasileiros com saudade e uns caras daqui, curiosos - e não vão entender nada. De saída, o técnico de som já foi enchendo de microfones os instrumentos. Uns cinco dentro da bateria. Eu falei pro baterista, o Luís Carlos, vai devagar aí, senão estoura tudo. No amplificador da guitarra, dentro da caixa, mais dois. Pensei que aquilo ia ficar apitando o tempo todo. Mas, na hora certinha do show (lá eles nunca começam atrasado), o teatro tava lotado, e o som não furou uma vez. Tudo em cima'.
 Vencedor de todas essas distâncias geoculturais Jorge Ben não transpira qualquer estrelato. Sabe que depende do mercado americano um sucesso internacional definitivo. Já fez o mais difícil: colocou umas quatro composições entre as mais vendidas ('Mas que Nada', com Sérgio Mendes. 'Zazueira', com Herb Albert, 'Nena Naná', com Jose Feliciano, 'Chove Chuva', com Sérgio Mendes) e executadas nos EUA. Ainda falta sua presença física, uma travessia que ele vem adiando há pelo menos uns sete anos. No Brasil, em 69, Herb Alpert disse que Jorge era bobo de não aproveitar a época; - 'ele poderia ocupar hoje, tranquilamente, o lugar que Jose Feliciano tem no mercado latino dos Estados Unidos'. Quando esteve lá pela primeira vez, em 65, com Sérgio Mendes, Marcos Valle, Wanda Sá - o Brasil 65 - porém, mesmo trabalhando, Jorge Ben não deixou de reverenciar seu ídolo, Little Richard, no Apollo Theatre, do Harlem. Há dois anos quando cantou no Waldorf Astoria -  correu ao Madison Square Garden para ouvi-lo de novo. - 'quanto mais velho ele fica melhor'.
Este ano, dois contratos, 'um razoável e um muito bom' convocam de novo o criador do rhtthm & blues (uma fusão, por exemplo, de samba e rock) brasileiro ao superestrelato internacional. Esta conquista final, capaz de acotovelar tantos outros sub ou semi-astros, parece, pouco preocupá-lo, na verdade. Definitivamente, a carreira musical de já 12 anos, trouxe apenas conforto, ao peladeiro de futebol de praia, ao papeador fiel da turma de rua, ao fanático ouvinte de música. Mais fácil mudar de comportamento o rock; 'reparou que ele está perdendo aquele suíngue, perdendo o ritmo?' "

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