Vinicius de Moraes é uma figura das mais marcantes de nossa cultura, e nesse ano faria cem anos. Poeta, letrista e compositor, Vinicius deixou marcas profundas na história cultural do Brasil. Dono de uma biografia das mais interessantes, tendo sido diplomata, e ao mesmo tempo vivendo uma vida boêmia intensa - algo considerado pelos conservadores, incompatível para o respeitado cargo. Vinicius amava antes de tudo a vida, as mulheres, os amigos e a vida boêmia.
Ontem, arrumando velhos discos de vinil, encontrei uma coletânea em sua homenagem, onde diferentes intérpretes dão voz à sua ampla obra musical. Na contracapa do disco, há várias frases e trechos de entrevistas e depoimentos de Vinicius. Alguns deles reproduzo abaixo:
"Quando eu era Vice-Consul em Los Angeles, foi preso um marinheiro brasileiro, que tinha viajado clandestinamente num navio. A polícia americana pegou o cara em San Francisco e o remeteu para Los Angeles. Ele era um paraibano simpático e nós tratamos de repatriá-lo. Dois dias depois, para surpresa minha, chegou a polícia de San Diego, uma cidade vizinha de Los Angeles, com a notícia que ele tinha morrido, debaixo de um trem. Não sei se ele se suicidou, se estava bêbado, ninguém sabe direito como foi. Essas coisas, aqui no Chile, nos Estados Unidos e em outros países, a gente nunca sabe como acontece, aí eu pedi autorização ao Itamarati para embalsamar o corpo. A autorização veio e eu então comprei um pequeno lote naquele cemitério famoso de Los Angeles, chamado 'Forest Law' e quem levou o caixão para enterrar o paraibano fui eu, o Maurício Fernandes que era meu auxiliar no Consulado, dois policiais e dois caras que eram da agência funerária. Acontece que eu não sabia que americano tem mania de tapar as covas vazias com um tapete de relva, aquela mania que americano tem de disfarçar a morte, de pintar o defunto, enfim, fazer aquelas patacadas que eles fazem. Então, eu vinha com o Mauricio Fernandes, os dois policiais, os dois coveiros, segurando as alças do caixão e pisei num daquels tapetes verdes e caí dentro de uma cova vazia. Quase que o caixão caiu em cima de mim, e eu estava na cova errada. E o resultado é que ao invés do Mauricio Fernandes me ajudar a sair de lá o mais rápido possível, ele começou a rir e eu não aguentei e comecei a rir também, e quando estava conseguindo sair da cova e olhei a cara dos policiais e coveiros, aquela cara solene que eles usam, caí de novo, e foi uma coisa trágica, e eu fiquei no buraco um bom tempo. É o que se chama de tragicômico."
"Na minha parceria musical com Toquinho não há essa coisa de quem está lucrando mais. Tanto é bom pra mim como pra ele também. Agora, eu não sou saudosista não. Ultimamente, quando me apresento em shows, obviamente procuro mostrar o que tenho feito de novo, e é aí que eu mostro mais a minha parceria com o Toquinho. Não tenho vergonha de afirmar que sinto ciúmes dele quando ele compõe com outro."
"Os pesquisadores, historiadores de nossa música, programadores de rádio, se esquecem de baluartes importantes da Bossa Nova. Todos falam em Tom, Vinicius e João Gilberto, mas se esquecem do meu parceiro Carlos Lyra, da nossa Elizete Cardoso, do maravilhoso e injustiçado Jonnhy Alf. Eles não tocam Lúcio Alves, Dick Farney, todos eles foram imprescindíveis e não se pode falar em música brasileira sem esbarrar num Caymmi, Garoto e Custódio Mesquita. Em 1953, no Clube da Chave, eu vi dissonâncias incríveis do Jonnhy Alf, ouvi harmonias sensacionais de Tom Jobim."
"É claro que eu sinto saudades de compor com Tom Jobim, Edu Lobo, Francis Hime, Baden Powell, Carlinhos Lyra e Chico Buarque. Vocês sabem que parceria é como casamento, não é? Casamento sem sexo, claro. A parceria tem todos os problemas do casamento e a distância é um perigo. Só me afastei deles, porque cada um de nós começou a viajar, cada um para o seu lado, e aí, a coisa fica muito fragmentada e a gente perde o pique. Mas não vai faltar oportunidade, basta a gente se encontrar."
"Serenata do Adeus foi uma tremenda dor de cotovelo que eu tive. Fiz essa canção em Paris, em 1955, depois de uma grande experiência amorosa. Não deu certo, não pôde ser, teve que haver a separação, eu curti uma tremenda fossa e a canção saiu assim, naquela base..."
"O mal dos críticos musicais, é que alguns são excelentes empilhadores de discos. Outros não ouvem nada, e o pior de todos é o radical. A gente tem que ficar atento e ouvir a tudo e a todos. Eu sou um compositor que procurei não parar no tempo. Tenho a impressão que sou o único que passei por quase todas as gerações: fiz músicas com Pixinguinha,, Paulo Tapajós, Ary Barroso, Laurindo Almeida, Tom Jobim, Carlos Lyra, Baden, João Bosco, Chico Buarque, Toquinho e Vicente Barreto. E se aparecer um jovem qualquer, seja lá de onde for, com sensibilidade e talento, não hesitarei em formar uma nova parceria."
"Me fascina imaginar que nesse momento, um porteiro de um edifício de João Passoa esteja assoviando um 'Regra Três', e me extasia imaginar que um estudante de Caxias do Sul esteja lendo nesse momento um poema meu."
"Não há um lugar específico para se compor. Eu componho no banheiro, na mesa do bar, numa reunião chata, andando na rua, e até viajando. 'Eu Sei Que Vou Te Amar', eu fiz a letra quando ia pra São Paulo de trem. Mas se você quiser uma resposta mais contundente, eu prefiro trabalhar de noite."
"Eu insisto que só tenho ciúme físico. Se alguém olhar insistentemente para minha mulher, eu fico até orgulhoso. Se ela retribuir o olhar, aí é que eu fico chateado. Eu sou tranquilo... porque quando uma mulher ama, não trai. A mulher só 'manda ver' quando já não ama seu homem, e sinceramente, por esse experiência eu nunca passei."
"Já aconteceu uma vez, sim. E me arrependo até hoje. Minha filha não me perdoa. Eu havia feito uma valsa para ela, 'Susana', mas tive que lançar mão da música para usar como tema da peça 'Orfeu da Conceição', e foi assim que a valsa de 'Susana' se transformou na valsa de 'Eurídice."
Nenhum comentário:
Postar um comentário