Em março de 1990 a revista AZ trazia uma matéria de capa com Gal Costa. Na matéria, escrita por Eduardo Logullo, Gal fala de seu início de carreira, sua veneração por João Gilberto, fatos de sua vida e autocríticas A matéria traz em destaque uma frase de Waly Salomão: "A voz de Gal dá calma ao Caos". Abaixo, alguns trechos do depoimento de Gal à revista:
"Eu sou totalmente autodidata. A coisa da emissão da voz, da respiração. É claro que já tenho uma emisão espontânea, isso veio comigo do além. Quando eu era criança, minha mãe tinha uma panela enorme, dessas de feijoada, e eu enfiava a cabeça na panela para ouvir meu timbre. Era uma forma de estudar canto. Minha mãe, quando estava grávida de mim, só ouvia violão clássico, Segóvia. Ficava concentrada para influenciar o filho a ser musical. Ela queria que o filho fose violonista clássico. Todo dia ouvia religiosamente, para aquilo entrar... Sempre fui muito exigente. Na Bahia, havia um programa chamado 'Escada para o Sucesso', na TV Itapoan, onde muitos iam se apresentar. Os amigos, todos, e parentes, pediam para eu ir. Mas eu já sentia que iria chegar aonde eu queria. Não daquela maneira, num programa de calouros. Era uma coisa muito maluca que eu tenho até hoje, uma espécie de premonição, meu lado de artista, a coisa sensitiva. Eu tinha intuições, entendeu? Uma vez, Gilberto Gil deu uma entrevista dizendo que eu era uma estrela teleguiada. Acho que ele tem toda razão. Sou exigente, seletiva, rigorosa, só fazia aquilo que queria. Sempre fui corajosa de buscar coisas novas para mim."
"Eu era louca por João Gilberto. Quando João pintou, eu fiquei louca por ele. Lembro-me que ouvia tudo dele com atenção especial. Antes dele surgir, eu ouvia Luiz Gonzaga, Anysio Silva, essas coisas. A primeira vez que ouvi João Gilberto no rádio eu nem sabia o que era aquilo, mas me apaixonei de cara. Como nesta época eu não tinha vitrola, ficava procurando João nos rádios, o dia inteiro atrás dele. A partir daí comecei a mudar minha forma de cantar e emitir. A divisão da poesia na música eu aprendi com João Gilberto. Comecei a me preocupar em dividir certas frases em determinados momentos. Mas a forma de dizer a palavra com música é natural em mim. Um dia (naquela época), eu estava na casa de Dedé e Sandra Gadelha, quando Silvio Lamenha aparceu lá e dise que ia se encontrar com João Gilberto. Aí eu gritei: 'ah, me leve, pelo amoerde Deus!'. E fui com ele. João estava no prédio em que a mãe dele morava, na Barra. Quando cheguei, Silvio me apresentou: 'esta é Gracinha'. João disse que que já tinha ouvido falar de mim, pois naquele tempo eu cantava em casas de amigos, em reuniões, etc. Ele perguntou se eu tinha violão, e eu fui correndo buscar. João ainda estava casado com Miúcha naquela época. Depois pegou meu violão e ficou dedilhando. Aí virou pra mim e disse: 'cante Mangueira'. E, fora 'Mangueira', cantei o repertório dele inteiro. Ele não dizia nada, enquanto eu pensava: 'meu Deus, que situação...' No final, ele me disse: 'você é a maior cantora do Brasil'. No dia seguinte encontei Caetano e contei que tinha ficado com João. Caetano ficou com o olho assim, pois também era apaixonado por ele. Eu fiquei catatônica uma semana. Depois deste encontro, me tornei uma pessoa radical. Não existia mais nada, eu não gostava de mais NADA!! Era Deus no céu e João Gilberto na terra. Radicalizei tanto nesta época que quanto depois, quando me joguei na coisa do grito, da guitarra, da maneira mais louca e corajosa. Mas com João Gilberto eu entrei em estado de graça. Ainda naquela época, eu encontrei Sérgio Mendes na Bahia, e ele me convidou para ir cantar nos Estados Unidos fazendo parte do grupo dele."
"Na fase da repressão eu fiquei no Brasil, tantando manter mais ou menos viva a imagem de Caetano e Gil, através do meu canto. De repente, eu nem tenho muita consciência de como fiz aquelas coisas, aquele discos (...) O ritmo, o vigor da coisa rítmica negra sempre me faascinou muito. Embora não tanto como Gil, Djavan ou Jackson do Pandeiro, sempre assimilei bastante os elementos percussivos em meu trabalho. Creio mesmo que isso mantém em algumas antigas gravações minhas, até hoje. Claro que diferente. Agora tenho uma técnica vocal muito maior, outra compreensão musical, outro feeling; tudo flui junto, harmonia e música. Atualmente questiono alguns trabalhos meus. Mas essa coisa de altos e baixos está sempre ligada ao artista. Todo mundo erra, né? A capa de Minha Voz, por exemplo, eu não gosto, acho fake. Não tenho o costume de ouvir sempre o que gravei. Quando estou fazendo um disco, eu ouço muito, até ficar pronto. Quando é entregue para a gravadora, eu paro de ouvir. Outro dia, por acaso, fiquei ouvindo Caras e Bocas e achei um disco forte, com músicas bonitas. Não ouvia há anos, e adorei. Já Lua de Mel não gosto mesmo."
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