O crítico de música e literatura J. Jota de Moraes escreveu um belo texto sobre Paulinho da Viola, um dos nomes mais importantes do samba:
"O Paulinho da letra é o homem da palavra escolhida e clara, da imagerm certeira, do verso conciso e muitas vezes inesperado, da linguagem que revela extrema simplicidade no que tange à expressão. Por vezes, o tom de suas letras é tão coloquial e aparentemente corriqueiro que chega a dar a impressão de um simples improviso surgido no instante mesmo da composição - e isso costuma acontecer na verdade... Esses textos chamam a atenção para o fato de estarem geralmente estruturados em torno de um núcleo de ideias - às vezes declarado expressamente, às vezes insinuado, outras vezes apenas em estado latente - ideologicamente carregado, já que comprometido com uma visão da realidade bastante precisa, dirigida. E eles conseguem o milagre de não serem nem pedagógicos nem demagógicos: são sinceras anotações sobre a vida, falam de seus mistérios, de suas evidências que muitos querem esconder, sempre sem quererem convencer ninguém. Desejam, isto sim, fazer sentir e pensar. E, se conseguem fazer isso com tanta gente, é porque são fortes, foram concebidos dentro da própria cultura popular, criticamente, e não de fora, eventualmente a partir de um ponto de vista paternalista. E, também, porque mostram 'Que a vida não é só isso que se vê/ É um pouco mais' (Sei Lá, Mangueira)
Dos coloridos textos de Paulinho da Viola afloram objetos humanizados, paisagens por vezes devastadas e personagens reais e fictícios - nunca tratados com compaixão, mas com enorme carinho - que servem de referências concretas às ideias e emoções mais gerais colocadas em jogo e que são vistos sob um ângulo que valoriza, a um só tempo, o familiar e o incomum. Os alegres almoços de confraternização, as rodas de samba e os encontros cotidianos, frutos do acaso, igualmente encontram espaço nesses textos que recuperam a realidade por meio de imagens marcadas por um lirismo às vezes descarnado, às vezes apaixonado.
As letras de Paulinho da Viola tematizam sobretudo a solidão do homem de hoje e sua contrapartida, o amor, percebido como um ciclo semelhante ao da própria existência individual. A necessária aventura amorosa traz prazer e desengano, mas igualmente a renovação da esperança de amar e o novo prazer do novo amor, acionando os mecanismos da memória. Talvez por isso, 'Devemos abandonar/ Qualquer desejo de vingança/ Para não prejudicar no futuro/ Uma nova esperança' e também 'Reconhecer o direito de alguém/ De um caminho escolher' (Mensagem de Adeus). E, ainda porque 'A gente lamenta a depois reconhece/ Que o amor não se acaba nas dores do mundo' (Pra Jogar no Oceano).
Esse universo individual, no entanto, não é fechado em si mesmo, mas aberto em direção ao coletivo. Apesar de lembrar que 'Quem quiser que pense um pouco/ Eu não posso explicar meus encontros/ Ninguém pode explicar a vida num samba curto', nós 'vivemos, estamos vivendo/Lutando pra justificar nossas vidas' (Cantando); e que isso deve ser feito 'Sem preconceito ou mania de passado/ Sem querer ficar do lado de quem não quer navegar' (Argumento). E é a partir dessa base que Paulinho da Viola se expande, mostrando-se solidário com o povo, fazendo o elogio das suas produções, denunciando as injustiças e, sobretudo, apontando para a força do próprio ato de cantar, de criar: Cantando 'um novo sentido, uma nova alegria/ (...)/ Lutando, que não há sentido de outra maneira/Uma vida não é brincadeira/ E só desse jeito é a felicidade'. Por esse ângulo, talvez fique ainda mais clara a razão do seu grito de alegria em Foi um Rio Que Passou em Minha Vida: 'Portela, Portela!/ O samba trazendo alvorada/ Meu coração conquistou'. Aí estão os homens e sua música, finalmente reunidos."
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