Na data de hoje Walter Smetak, um pesquisador de sonoridades e inventor de instrumentos musicais inusitados, faria 100 anos. Suíço de nascimento, veio parar no Brasil aos 24 anos, e daqui não mais saiu. Aqui no Brasil desenvolveu suas pesquisas, e aqui viveu até sua morte, em 30 de maio de 1984. Chegou a lançar dois discos, o primeiro, em 1974, com produção de Caetano Veloso, e o segundo em 1980 e chamado Interregno, cuja versão em vinil eu possuo.
Smetak deixou uma série de instrumentos por ele desenvolvidos, que já ganhou até exposição. Pouca coisa foi publicada sobre Smetak e seu trabalho experimental de pesquisa. Um bom texto sobre ele saiu em 1979 na série Nova História da Música Popular Brasileira, da editora Abril, que saia em bancas de revistas. O exemplar dedicado a Smetak trazia ainda Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos. A matéria apropriadamente intitulada "Gepeto da Nova Música Brasileira" dizia: "A criatividade de Walter Smetak se insere também numa dimensão diferente da arte de ordenar notas. Suas pesquisas sobre música convergiram para a necessidade de criar - somando material simples e equipamento eletrônico - instrumentos não convencionais que pudessem transmitir uma gama infinita de novos sons antigos, abrindo caminhos de razão e sobretudo de coração para a musicalidade. E para a vida." Abaixo a transcrição da matéria:
"A sensibilidade crítica de Caetano Veloso colocou lado a lado em sua composição Épico, Smetak e Musak. Entre os dois, estaria a razão da música brasileira. 'Musak' é a marca registrada internacional de um sistema de música ambiente. Por extensão, a palavra passou a ser usada para definir o que é veiculado por esse sistema: uma música padronizada, comercial, que serve de fundo para conversas em bares, para a monotonia do elevador, para o chofer de táxi não cochilar. 'Musak', na canção de Caetano, serve como uma metáfora da música sem criatividade nenhuma. 'Smetak' seria o oposto: a música inovadora, radicalmente experimental e que, por isso, está à margem do circuito comercial. Mas não é uma palavra nova, criada só para rimar e contrastar com 'Musak'.
Não. 'Smetak' vem de Walter Smetak, o alquimista, o inventor, o bruxo. Um artista tão inovador que os instrumentos convencionais não conseguem expressar suas sensações sonoras. Por isso, ele inventou mais de cem instrumentos musicais, na tentativa de reproduzir na íntegra os sons que ele ouve interiormente.
Smetak não se contenta mais nem com a própria música: ele agora persegue o 'mistério do som':
- Tenho procurado diferenciar claramente o fazer som, um meio de despertar novas faculdades da percepção mental, e o fazer música, apenas um acalanto para velhas faculdades da consciência.
Por isso, ele se abre para novos caminhos, para outra notação musical, para outra utilização dos recursos sonoros, inclusive os eletrônicos.
- Este é o grande problema da música contemporânea: os músicos geralmente não conhecem eletrônica. E as pessoas que conhecem eletrônica não sabem nada de música.
Em sua verdadeira 'oficina de música', o suíço naturalizado brasileiro Walter Smetak vai construindo um repertório de instrumentos. Inicialmente ele trabalhou muito com cabaça (que já era utilizada como caixa acústica do berimbau) como no 'Mundo', um de seus primeiros intrumentos, que levava ainda um cabo de vassoura, um prego e a corda de um violão; ou no 'Vina', construído com três cabaças que 'permitem a passagem do som ocidental - mais imprensado - para o oriental, muito prateado e curto', como ele explica.
Nascido em Zurique, a 12 de fevereiro de 1913, ele logo aprendeu a tocar o zither, instrumento da família da cítara. Veio para o Brasil em 1937, para integrar a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, mas seu primeiro escândalo, para o público brasileiro, aconteceu em 1971, durante um concerto na Igeja de São Francisco, em Ouro Preto. À medida que ia extraindo sons estranhos e ensurdecedores de um órgão elétrico, o lustre de cristal começou a girar, as paredes tremeram, as pipocas pularam fora dos saquinhos.
- Quase todas as pessoas saíram correndo. Me chamaram de bruxo, quando se tratava apenas de uma mera reação física.
Smetak é aquele estranho professor do seminário de música da Universidade Federal da Bahia, que percorre as ruas de Salvador, montado na Prostituta da Babilônia (uma velha motocicleta BMW preta). Em 1974, ele gravou um disco na Philips, apresentando algumas de suas composições e alguns de seus instrumentos.
Vive sonhando com a construção de um imenso instrumento-laboratório, que se chamará 'Ovo'; ou em ir para o Planalto Central instalar uma universidade de som, onde físicos e músicos trabalharão juntos. Ou qualquer outra coisa: palavras jamais seriam suficientes para exprimir a imaginação solta, a infinita inventividade de Smetak. Mesmo porque, como ele gosta de dizer, 'falar sobre música é uma besteira, executar é uma loucura.' "
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