Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 16 de março de 2011

Momento Mala


Essa tira acima, publicada em O Globo me fez lembrar de um fato que aconteceu comigo há alguns anos. O crítico de música que vai ao dentista, e lá é obrigado a ouvir um "fó-fó-ri-fonfon" tocado por Kenny G., foi parecido com algo que me aconteceu numa tarde de sábado, numa localidade onde trabalhava em meus tempos de ferroviário. Estava em uma lanchonete onde o pessoal se reunia, na companhia de quatro pessoas, sendo que um dos caras tinha levado uma fita cassete de Kenny G., e pediu para tocar pra gente ouvir. Como não suporto Kenny G., logicamente fiquei contrariado com a escolha da música ambiente, mas como eram quatro fãs daquele som xarope, e eu não estava muito disposto a entrar em um conflito de opiniões, fingi que estava até curtindo, e apesar de não fazer falsos elogios, acho que consegui disfarçar minha contrariedade por estar ouvindo aquele som.
De vez em quando eu falava alguma coisa, mas nunca eram elogios, como por exemplo, na hora em que falei que conhecia um saxofonista melhor que ele: David Samborn. Ao afirmar isso, era como se eu dissesse a eles que Kenny G. era bom, mas David Samborn é melhor ainda. Essa com certeza foi a interpretação que eles deram, mas o que eu disse na verdade é que Kenny G. é muito chato, e Samborn é um músico muito melhor em seu instrumento. O "fó-fó-ri-fonfon" continuava tomando conta do ambiente, o pessoal elogiando aquele som xarope, e eu ali fingindo que também estava curtindo. Eu até poderia dizer que aquele som não me agradava, mas como falei acima, seria meio desgastante ter que debater com os quatro caras, e eu naquele dia não estava muito a fim de argumentar em contrário contra aquela quase unanimidade. Um dos caras até pediu para o dono da fita tirar uma cópia para ele enquanto o som continuava tocando, e eu torcendo para a fita acabar logo. Como eu não sou muito de falar mesmo, minha falta de elogios à música que tocava não dava a entender que eu estava indo contrário à opinião geral. Lembro que já no fim da fita, um dos caras, em certo trecho da música olha para mim sorrindo, me chamando a atenção para a música que tocava, e aí então eu tive que pela única vez soltar um falso elogio: "Mó som!", foi o que eu falei, até porque àquela altura já não dava para revelar a verdade sobre como aquela música chata estava entrando em meus ouvidos.
Aquele, como outros momentos que às vezes temos que viver, eu chamo de momentos malas. Esse momento mala, ao som de Kenny G. é inesquecível, e como na tira do cartunista Reinaldo, que faz parte do Casseta & Planeta, se pudesse aplicava uma anestesia nos ouvidos.

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