sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Paulinho da Viola Poeta
Muito já se analisou e se discutiu sobre a questão poesia/letra de música. Embora muitas letras sejam pura poesia, alguns teóricos consideram que tecnicamente são duas categorias distintas. Letra é letra, poema é poema. Muitos dos próprios autores endossam essa tese. Isso não significa que um texto que nasceu poema, ao ser musicado deixe de ser um poema para virar letra. A verdade é que poucas vezes vi casos em que músicos que também são letristas tenham mostrado um texto meramente poético, que não nasceu para ser musicado. Por exemplo, nunca vi um poema de Chico Buarque, Caetano ou Gil, por exemplo, embora até acredite que eles tenham feito alguns, que não nasceram para ser musicados. Uma das excessões que me lembro no momento é Cartola, que uma vez na tv recitou um belíssimo poema de sua autoria. No caso daqueles que são somente letristas, e só trabalham com o texto, conheço vários poemas de autores como Aldir Blanc, Cacaso, Abel Silva, Paulo César Pinheiro e outros.
A exemplo de Cartola, outro sambista que apresentou um belo poema, que nasceu como poema, e assim ficou, por não ter sido escrito para ser musicado, foi Paulinho da Viola. Em 1976 ele lançou simutaneamente dois discos: Memórias Cantando e Memórias Chorando - o segundo, um disco instrumental somente de chorinhos de sua autoria. No encarte de Memórias Cantando aparece um belo poema de Paulinho, chamado Memória:
De onde vem esta memória, revelando mundos/revirando tudo, como se fosse um tufão?/A varrer, cuspindo entulhos/num erguer e demolir de muros/Nas esquinas e despovoadas ruas de meu coração?/De onde vem essa memória/às vezes festa, às vezes fúria/num abrir e fechar de portas/louca procura de respostas, mistura de murmúrios/fonte de delícias e torturas?/Onde anda agora essa memória?/No mundo da lua, brincando de soltar subterfúgios/a ficar na rua, se fazendo de surda e me deixando assim/um dia, um ser perdido em lutas e outro/um pobre menino a flutuar sonhos absurdos/Onde anda essa memória?/a que horas chegará, como sempre, obscura/com suas preciosas falhas/que recolho agradecido/para traçar o rumo de minhas canções?/Velhas estórias, memórias futuras?/Sei de onde vem, já sei por onde andou/saiu para de trocar de roupa, não pode andar nua/Amo o oceano que retém no fundo/os mistérios de sua natureza
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