Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Cultuando Augusto dos Anjos



Quando tinha por volta de 20 anos, eu e alguns amigos cultuávamos o poeta Augusto dos Anjos. Dono de um texto lúgubre, de temáticas mórbidas e um linguajar que trazia muitas vezes um português arcaico e termos científicos incompreensíveis, mesmo assim seus versos eram populares e sempre lembrados geração após geração. Um bom exemplo é seu poema mais conhecido – Versos Íntimos, publicado em seu único livro, O Eu, cuja primeira edição foi custeada por seu irmão:
Vês! Ninguém assistiu ao formidável/ Enterro de tua última quimera/ Somente a ingratidão – esta pantera/ Foi tua companheira inseparável!/ Acostuma-te à lama que te espera!/ O homem, que nesta terra miserável,/ Mora, entre feras, sente inevitável,/ Necessidade de também ser fera/ Toma um fósforo. Acende teu cigarro!/ O beijo, amigo, é a véspera do escarro,/ A mão que afaga é a mesma que apedreja./ Se alguém causa inda pena a tua chaga,/ Apedreja essa mão vil que te afaga/ Escarra nessa boca que te beija
Na época até costumávamos usar expressões usadas em seus poemas para definir situações. Por exemplo, usávamos a frase "rua dos destinos desgraçados" para nos referir à zona do meretrício, ou definir alguém que estivesse atravessando maus momentos dizendo que ele estava “com as bruxas negras da derrota”. Anos depois, quando fui morar em Minas a trabalho, quando vinha passar o fim de semana em casa, pegava o ônibus na cidade de Leopoldina. Como era obrigado a passar lá algumas horas até meu ônibus chegar, ficava circulando pela cidade, pra fazer hora. Um dia parei numa grande agência onde se vendiam revistas, jornais e livros, e lá encontrei uma publicação local falando de Augusto dos Anjos. Através dessa publicação, vim saber que Augusto, que era paraibano de Engenho do Pau D'Arco, se mudou para Leopoldina, onde passou seus últimos meses de vida, até morrer em agosto de 1914, aos 30 anos. A revista, chamava-se Almanack do Arrebol, e trazia uma edição especial falando de seu centenário de nascimento, e seus dias em Leopoldina. Apesar de ter adquirido a revista em 1990, ela era datada de 1984, data comemorativa de seu centenário. A publicação fala sobre as festividades que aconteceram naquele ano, traz um manuscrito de Drummond, que diz: “Li O Eu na adolescência, e foi como se levasse um soco na cara. Jamais eu vira antes, engastadas em decassílabos, palavras estranhas como simbiose, mônada, metafisicismo, fenomênica, quimiotaxia, zooplasma... e elas funcionavam bem nos versos! Ao espanto sucedeu intensa curiosidade. Quis ler mais esse poeta diferente dos clássicos, dos românticos, dos parnasianos, dos simbolistas, de todos os poetas que eu conhecia." Há também vários artigos sobre o poeta, uma cronologia, várias fotos, uma entrevista com um filho de Augusto, além da reprodução de um discurso proferido pelo neto do poeta na solenidade do centenário, que começa assim: “A crítica especializada e os meios de comunicação têm classificado, rotulado Augusto dos Anjos, através dos tempos, de poeta realista, existencial, naturalista, hiperrealista, simbolista, poeta cientificista, poeta punk, até beatinik, poeta das gerações em revolta, poetas dos párias, poeta da margem, das vítimas das injustiças humanas e sociais, poeta enfim, do homem doente de si mesmo, poeta da morte...”
Realmente, assim era Augusto dos Anjos

Um comentário:

  1. Seu blog é ótimo! Reparei que temos gostos parecidos: Augusto dos Anjos, John Lennon, Janis Joplin... Por isso, convido-o a visitar meu blog. Lá você encontrará algumas análises minhas sobre poemas de Augusto dos Anjos e curiosidades a cerca dos Beatles. Segue o endereço: interludico.blogspot.com

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