Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O Cinquentenário de Caetano Veloso - Jornal do Brasil - 1992 (1ª Parte)

No dia 07/08/92 Caetano Veloso completou 50 anos. A data foi lembrada em vários órgãos de imprensa. O Jornal do Brasil trouxe uma bela matéria no Caderno B. Com o título de "Hoje é dia de São Caetano", a matéria-homenagem, que trazia muitas ilustrações, com fotos do compositor em várias fases de sua carreira,  é escrita pela jornalista Márcia Cezimbra:
"Hoje, 7 de agosto, dia de São Caetano no calendário católico, dona Canô Veloso cumprirá, religiosamente, um ritual de quase meio século. Vai à missa no Convento de Nossa Senhora dos Humildes, em Santo Amaro da Purificação. Desta vez, a motivação é especial: a celebração dos 50 anos de seu filho mais ilustre, o cantor, compositor, poeta e cineasta Caetano Veloso. 'Minha maior alegria é ver Caetano chegar a esta idade. Uns a gente não vê nem crescer, mas hoje, Caetano chega aos 50', diz dona Canô, a mãe que passou para os oito filhos, entre outros carinhos, o prazer de cantar. O Convento dos Humildes receberá ainda 'uma merenda' para os órfãos criados ali pelas freiras - outra prática que dona Canô faz questão de preservar desde que o autor de Alegria, Alegria completou um ano de idade. O homenageado não estará lá. Fugiu da efeméride para Nova York com a mulher, Paula Lavigne, e os dois filhos - Moreno, de 19 anos, e Zeca, de seis meses. 'Só vai mesmo à missa quem frequenta todo dia os Humildes, mas Caetano me disse que viria para os 80 anos de Jorge Amado', comenta dona Canô. Antes de embarcar para os Estados Unidos, Caetano agradeceu a série de homenagens que marcam seu aniversário em todo o país: 'Sou leonino. Gosto muito de saber que estão comemorando meus 50 anos.'
O 50º aniversário de Caetano Veloso revelará ao Brasil um lado até agora oculto do artista: o pintor de paisagens da Bahia - telas coloridas de igrejas, de casarios e de ruas coloniais. Ele, quem diria, era um pintor-menino, que, na década de 50, chegou a apresentar a sua obra numa mostra coletiva de Santo Amaro, ao lado do escultor Emanuel Araújo. Essas imagens da Bahia vieram antes, portanto, do dia em que Caetano foi embora tentar a vida como crítico de cinema em Salvador. Antes que a música e a poesia fizessem folia em sua vida. 'Caetano tem quadros lindos. Eu tenho os mais coloridos, os mais modernos. Tem um enorme, lindo, da Igreja do Amparo, que fica na rua da nossa casa, onde todos crescemos, a Rua do Amparo', conta Rodrigo Veloso, o irmão mais velho, de 57 anos, que aparece de samba no pé, ao som de Águas de Março, numa das cenas do último longa-metragem de Caetano, Cinema Falado. Estas telas estarão novamente em exposição, agora individual, como parte das homenagens promovidas, a partir do próximo dia 14, pela prefeitura de Santo Amaro da Purificação.
A festa ficou então fora da ordem. dia 14 de agosto é o aniversário de 52 anos de outro irmão mais velho, Roberto - que está na capa do LP Uns, de 1983, um dos preferidos do autor. Será Caetano Veloso, no entanto, o aniversariante oficial deste dia, com presença garantida nos eventos da prefeitura de Santo Amaro. Além da mostra de pintura, haverá uma exposição de tudo o que a família conseguiu reunir de Caetano: as roupas de todos os seus shows, fotos, troféus, livros e cadernos de infância. 'Caetano é fogo. Não guarda nada, mas a gente juntou o que pôde. Só não tem os brinquedos, porque criança pobre, do interior, brinca com lata, pau, arame', diz Rodrigo Veloso.
Alguns lançamentos ficaram fora da ordem da festa dos 50 anos de Caetano Veloso: os três livros sobre o artista previstos para este ano. Apenas a coletânea de entrevistas de Caetano Veloso, esse cara, organizado pelo crítico de música Héber Fonseca para a editora Revan - tem publicação marcada para o fim do mês. O ensaio biográfico Caetano, por que não?, dos professores Ivo Luchesi e Gilda Dieguez, está ainda no forno da editora Francisco Alves. O terceiro, um livro-surpresa de memórias de seus sete irmãos sobre sua infância, uma ideia de Rodrigo Veloso, não chegará, por enquanto, sequer a circular. 'Não deu tempo de organizar tudo. Foi o carnaval, foi o nascimento de Zeca e até o Caetano que não queria muita confusão no aniversário, explica Rodrigo.
 Nestas lembranças, uma estava na cabeça de todos os irmãos mais velhos - Rodrigo, Roberto, Clara Maria, Nicinha e Mabel (Bethânia e Irene vieram depois). O dia 7 de agosto de 1942, quando Caetano nasceu na casa do padrinho de Rodrigo, Joãozinho Cardoso, na Rua Direita, porque a da família Veloso, em frente, estava pintando, Caetano vestia vermelho e, na falta de um berço, dormia num bercinho de brinquedo, de uma das bonecas de Clara Maria. 'Este negócio de vestir bebê de vermelho é coisa de minha mãe. Ela gosta de cores alegres para crianças. Vermelho é sangue. É vida. Zeca, no segundo dia de nascido, já estava de vermelho. Foi presente dela', lembra outra irmã famosa, Maria Bethânia. A alternativa mais rápida - lançar as suas cartas de dois anos de exílio político em Londres, de 1970 a 1972 - também foi recusada pelo artista.

(continua)

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