Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Nara Leão - Eterna Musa (2ª Parte)

" Ao contrário do que pregava a letra da canção, o lobo Bôscoli não estava assim tão amarrado, apesar do noivado com Nara depois de quatro anos de namoro. Nessa época, 1961, Bôscoli fora excursionar pela Argentina, Chile e Uruguai na condição de diretor dos shows que a cantora Maysa  faria nesses países. Bôscoli e Maysa tiveram um caso durante a turnê e, na volta ao Brasil, ainda no aeroporto, Maysa anunciou à imprensa que iria se casar com Bôscoli - para inteira surpresa deste.
Nara soube da notícia pelos jornais e ficou esperando o desmentido que nunca veio. Bôscoli sumiu alguns dias na esperança que a história morresse. Depois procurou a ex-noiva, que se recusava a atendê-lo. Amigos comuns intercederam, mas ela permaneceu irredutível. Até que Bôscoli ligou para o apartamento do Champs-Elysées e conseguiu falar com Nara, ou melhor, tentou:
- Nara, aqui quem fala é Ronaldo Bôscoli.
- Quem é Ronaldo Bôscoli?, ela devolveu, desligando o aparelho, deixando o ex-namorado pendurado na linha completamente desconcertado.
Só a própria Nara poderia dizer o quanto doloroso foi o rompimento. Coincidência ou não, a partir daí sua carreira começou a deslanchar. Ela se reaproximou de Carlinhos Lyra, que havia rachado com a turma do apartamento. Lyra ajudara a criar o Centro Popular de Cultura (CPC), na praia do Flamengo, e vinha compondo músicas que falavam de pobreza, injustiça social e que batiam de frente com a temática sol, mar e barquinho dos ex-companheiros. Nara estrelou a comédia Pobre Menina Rica, de Vinícius e Carlinhos Lyra, e começou a namorar o cineasta Ruy Guerra, também ligado ao CPC. A surpresa veio com o lançamento do seu primeiro LP, em 1963. Nara, gravado pela Elenco, trazia compositores do morro como Cartola e Nelson Cavaquinho, os primeiros afro-sambas de Baden Powell e Vinicius e nada do que era considerado tipicamente Bossa-Nova - logo ela, musa do movimento.
No ano seguinte, ela gravaria o disco Opinião de Nara, que daria origem ao show Opinião. O país já estava sob o tacão dos militares. Eles não gostaram nada de ver pregação esquerdista do musical, em que Nara dividia a cena com os cantores João do Vale e Zé Kéti. Gostaram menos ainda quando Nara começou a expressar suas opiniões em uma série de entrevistas. Na mais famosa delas, ao Diário de Notícias, pedia o fim das Forças Armadas 'que não servem pra nada mesmo, como foi constatado na última revolução'.
Nara e João do Vale no espetáculo Opinião
A repercussão foi tamanha, que o assunto nacional passou a ser o provável processo que Nara sofreria dos militares. Muitos saíram na defesa preventiva da cantora. Entre eles o poeta Carlos Drummond de Andrade, que publicou no Correio da Manhã um poema-carta de 17 estrofes - com rima e tudo - endereçado ao general-presidente Castelo Branco. Começava assim:
Meu honrado marechal,/ Dirigente da nação, / Venho fazer-lhe um apelo: Não prenda Nara Leão (...) 
Nara não foi presa nem sofreu processo. Não seria preciso. Nos anos que se seguiram o ar ficaria irrespirável por aqui. A ponto de, numa entrevista em 1969, ao semanário Pasquim, dar por encerrada a carreira artística. Ela tinha 27 anos. 'No momento não há condições de trabalho, não há estímulo, não dá vontade de cantar.' Pouco depois, ela e o marido, o cineasta Cacá Diegues, se auto-exilaram em Paris. Foi na capital francesa, que nasceu a filha, Isabel, e que ela retomou o prazer de tocar e cantar. Ali gravou as bases do disco que celebrou sua volta à Bossa Nova e ao convívio do grande amigo Roberto Menescal. No Brasil, como diretor artístico da gravadora Philips, Menescal comandou a produção do LP duplo Dez Anos Depois, que trazia 24 clássicos da Bossa Nova.
Na metade de 1979, Nara estava tomando banho quando sentiu uma forte tontura e apagou. Parecia que havia sofrido um derrame, mas não era certeza. Recuperou-se, mas passou a conviver com dores de cabeça fortíssimas, tonturas, desmaios e períodos em que não enxergava. Os médicos não conseguiam descobrir a origem do problema. Eram os primeiros sinais de um tumor benigno no cérebro, que levaria tempo até ser diagnosticado. Mais uma vez, Nara mostrou a grande mulher que era. Continuou trabalhando, gravando discos, fazendo shows, enfrentando a doença. Foi uma batalha de 10 anos. Ela dava os retoques num disco só com standards da música americana - My Foolish Hart, lançado postumamente -, quando o tumor saiu de controle. Foi internada na clínica São José, no Rio, no dia 19 de maio, entrou em coma no dia 24 e morreu em 7 de junho de 1989, ao meio-dia. "

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