Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

João Gilberto - Revista Veja (1990)


A revista Veja em sua adição de 30 de maio de 1990 trazia uma matéria de capa com João Gilberto. No texto da chamada da capa trazia estampado: "João Gilberto - A vida secreta de um gênio brasileiro". A razão da matéria de capa era que João estava lançando um dos discos mais esperados do ano, como aliás, é todo trabalho lançado por João Gilberto. Lembro que quando saiu a notícia que João estava em estúdio, começaram as expectativas em torno do álbum, já que há dez anos ele não lançava um disco de estúdio. O último havia sido Brasil, gravado ao lado de Caetano e Gil, em 1980. Nesse meio tempo João havia lançado um disco ao vivo no festival de jazz de Montreux, na Suíça, em 1986.
A matéria de seis páginas fala dos bastidores das gravações, curiosidades a respeito de seus hábitos estranhos, que fazem parte de um folclore em torno de sua personalidade, depoimentos de pessoas próximas, etc. Destaca também algumas frases proferidas pelo mestre, como:
"É preciso descobrir e encontrar no ritmo da música. Depois, dividir as palavras para que elas se adaptem ao ritmo, à respiração. Eu gravo rápido, pode ver nos meus discos, mas passei muito tempo trabalhando antes. Gravei essas músicas agora para ficar uma coisa bonita, para que as pessoas gostem deles."
"Bossa Nova é o que vem depois daquilo que você coloca numa coisa que já existe. Aí, os especialistas ficam em dúvida e perguntam: mas isto é Bossa Nova ou samba? Mas logo no começo a gente cantava: 'Eis aqui esse sambinha feito de uma nota só...' Então é lógico que é samba, pelo compasso, pela cadência, por tudo. É um sambinha no qual se colocou uma bossa, um jeito novo. Aí, fica sem sentido essa discussão dos especialistas, essa procura de precursores da Bossa Nova. Assim, a Bossa Nova teria de ter uns 300 precursores."
"Bossa Nova é qualquer coisa feita com bossa."
"Miles Davis ouviu um monte de músicas brasileiras para gravar Bossa Nova. Ouviu e escolheu o quê? Escolheu Ave Maria no Morro, e gravou de um jeito tão bonito... Então Ave Maria no Morro virou Bossa Nova. Miles Davis é muito bom. Às vezes, ele toca de costas para a plateia. Curioso, não?"
Nara Leão era uma cantora generosa e suave. Brincava comigo, dizendo que que ela não sabia tocar violão. Sabia sim e tinha uma voz maravilhosa. Tenho tanta saudade dela."
"Tema sem bossa não é Bossa Nova"
"Sim, música clássica é legal. Mas o que eu gosto mesmo é de música popular. Gosto daquelas coisas, daquele som que vem do Brasil, de sua gente."
"Quando vou a São Paulo, olho aqueles prédios enormes e pergunto: 'Quem fez? Quem fez?' E escuto só aquele eco do meu grito na noite escura. Ninguém responde, ninguém sabe quem fez... Mas quem fez os prédios foi o homem do Norte. Quem faz São Paulo é aquele pedreiro que está ali, no seu quarto na obra, com aquela lâmpada dependurada, quando a gente vai indo à noite encontrar a namorada. Paulistas, por favor, construam a Praça Homem do Norte. São Paulo merece."
A matéria ainda traz um box contando algumas curiosidades. Eis o texto:
"Se o João Gilberto de hoje é um tanto surpreendente, o do passado é uma verdadeira caixa de surpresas. Poucos sabem, por exemplo, que ele é o quinto de uma família com oito irmãos e que uma penca de sobrinhos o chama de Tio Joaõzinho (...)
Quem conhece a obstinação de João Gilberto em não cantar para plateias fuleiras ou barulhentas ficaria atônito em saber que em janeiro e fevereiro de 1954, precisando de dinheiro, ele trabalhou num show de Carlos Machado (famoso empresário de shows com vedetes) na boate Casablanca, no Rio, intitulado Essa Vida É um Carnaval . Em uma hora e meia de espetáculo, João Gilberto trocava de roupa quatro vezes e aparecia vestido de sambista, fuzileiro naval, escravo na senzala e, na apoteose, entrava em cena fantasiado de palhaço, cantando o samba Recordar É Viver com o resto do elenco.

Ele também teve sua carreira cinematográfica, ainda que amadora. Durante anos, andou com filmadoras a tiracolo. Em Nova York, no final dos anos 60, tendo Chico Buarque como diretor, João Gilberto fez o papel de um ladrão de violão num curta-metragem super 8. O filme, de ficção, está guardado na casa de Chico Buarque. Quanto às agências de propaganda, que se cansaram de oferecer-lhe malas de dinheiro para fazer comerciais, e sempre receberam negativas, elas ficarão surpreendidas ao saber que João Gilberto já gravou um jingle. Em 1960, para a agência Lintas, ele cantou uma letra e música do publicitário Heitor Carillo:
As estrelas do cinema usam Lever
O sabonete que você devia usar
Irradie mais beleza
Seja estrela do seu cinema
Use sabonete Lever
E, ainda por cima, João Gilberto recusou o pagamento. Esse jingle está perdido - por enquanto."
Alguns anos depois dessa matéria ser publicada, João Gilberto gravaria um comercial para a Brahma, cantando ao seu estilo o jingle:"Pediu cerveja, pediu Brahma Chopp". Tenho esse comercial gravado em uma antiga fita em vhs.

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