terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
Miles Davis no Brasil - 1986
Miles Davis, um dos grandes gênios da música já se apresentou no Brasil por mais de uma vez. A revista Bizz nº 16, de novembro de 1986, trazia uma resenha sobre um show que o grande músico fez no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, em 13/09/86. Escrita por Alex Antunes, a resenha assim descreve a apresentação:
"Frisson: Deus desce à Terra. Miles Dewey Devis III, o homem que operou sucessivas revoluções no jazz e no rock das três últimas décadas, pisou o palco do Anhembi. Público extasiado, a banda se espalha rápida pelo palco e ataca sumariamente a bombástica 'Decoy', ao longo de dez minutos - é o tempo que os fotógrafos, num acordo entre imprensa e os produtores, por exigência de Miles, têm para trabalhar. Depois de disparados os últimos clicks o show começa pela segunda vez, agora com uma música mais relaxada. E é aí, entre temas alternadamente carregados e poppies, que Miles revela não só o grande instrumentista que todos já comentaram, mas um homem com firmes concepções de trabalho em banda, de música, de arte e de vida.
Já se ouviram reclamações do tipo 'pô, o cara é um puta trumpetista e só faz uns solinhos de vez em quando, o resto do tempo fica lá de costas, dando uns acordes naquele teclado'. Isso sem falar nas infindáveis comparações com o tradicionalista Winton Marsalis, nas acusações de traidor do jazz, etc, etc, etc. Miles e música já resolveram sua relação - ele já a formulou e reformulou como linguagem, do be bop ao cool, do blues ao rock. Pop não é traição - tocar sucessos de Michael Jackson ou Cindy Lauper é só tomar outros pretextos para repetir, ainda uma vez, seu manifesto de negro liberto. É o mesmo gosto de que Miles tem ao processar os guardas que frequentemente o fazem parar nas estradas da Califórnia, afinal, que diabo é isso de criolo dirigindo uma Ferrari? Não é rancor. É um estado de humor muito particular, transposto em estética.
Seu grupo é uma verdadeira banda de rock: maciça, pesada. E um combo de jazz, com fartos improvisos. Mas há sempre o maestro, editando a duração das partes, indicando aquelas viradas harmônicas conjuntas que você nunca sabe se é arranjo ou repente. Às vezes o Miles regente contém os dois teclados, guitarra, baixo, sax, bateria e percussão, e vem para a frente, solando seu trumpete em surdina. Depois solta os cachorros.
Em São Paulo ele estava de bom humor. Jogava para cima e aparava objetos imaginários, passeava solando, pelo palco, como quem caminha pelo parque, ouvia sua própria performance com a cabeça quase dentro das caixas de retorno. Em 'Human Nature' (de Michael Jackson), desceu do palco e solou, sucessivamente, para três mocinhas da primeira fila. A primeira ficou estarrecida, e passou o resto do show beijando o companheiro. A segunda teve tempo de preparar uma performance mais 'fatal', e ficou sussurrando sei lá o que para o velho Miles. A terceira, cool, ficou só olhando com cara de 'que peculiar, você aí, tocando para os meus peitos'. Essa ganhou um apertão mais carinhoso no nariz e uma piscada, por baixo dos indefectíveis óculos escuros do trumpetista.
Quanto à banda: nos teclados, o sobrinho (e responsável pelo retorno de Miles, depois do sumiço de 75/81, às voltas com drogas pesadas) Robert Irving III e um outro, convidado, ambos fazendo usos de timbres fortemente eletrônicos, mas muito adequados à química do som. Um saxofonista e um guitarrista prolixos, Bob Berg e Adam Holzman, um com um pé para cá e outro com um pé pra lá da linha do exagero. Mas nada muito grave. Felton Crews, baixo discreto e bem competente, cresceu muito ao longo da apresentação. Vince Wilburn Jr., o baterista que, ao lado de Bob Irving, participou da histórica volta de Miles, sempre brilhante. O percussionista Steve Thornton, dono de um estilo único de solar tumbadora com a mão direita e timbales com a baqueta na mão esquerda, ou tudo como se fosse uma bateria, outro destaque do show. E Miles no centro desse sistema, reluzente em lamê prateado, movendo-se como um misto de felino e lagarto, sorridente e assustador... Não um deus, um homem raro."
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Eu sempre acho que para gostar de jazz tem de ter ouvido absoluto,o meu é relativo demais,mas adoro ler sobre o assunto.
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