Quando era adolescente, eu estava descobrindo o rock. Era anos 70, e o cenário era riquíssimo, portanto minhas descobertas musicais me foram muito marcantes. E uma das descobertas que mais me chamaram a atenção e me fascinaram foi a voz de Bob Dylan. Antes de tomar conhecimento do Dylan compositor, e figura das mais importantes da história do rock, o que me chamou a atenção em Dylan foi sua voz, que me fascinou. Sua voz meio fanha, anasalada e fora dos padrões sempre foi alvo de críticas, mas para mim foi algo muito marcante.
Em 1989 o crítico Stephen Holden, do New York Times escreveu uma matéria sobre o Dylan cantor, o dono daquela voz que marcou definitivamente a minha adolescência. Segue o texto:
"Há vinte anos, um artigo sobre Bob Dylan comparava sua maneira de cantar a um 'grito da adolescência'. Não lembro o nome de quem escreveu, nem da publicação, mas recentemente voltou-me essa imagem, durante um concerto de Dylan no Bacon Theater, onde o legendário roqueiro, esquálido e de cabelos frisados, muito parecia e cantava como o mesmo moleque vingador de meados da década de 60. Quando cantou 'Ballad of a Thin Man', palavra final da anarquisação do quadradismo burguês dos anos 60, o grunhido abrasivo ainda soava insultantemente provocador em sua rude insistência.
Como podia o astro, agora com 48 anos, ainda manter o papel do mais embalado, mais arrogante adolescente que já existiu? Tinha de ser, ao menos em parte, uma autoparódia. Nem mesmo as selvagens caricaturas de Dylan, por Cristopher Guest, nos álbuns do 'National Lampoon' de meados da década de 70 são tão exageradas quanto os maneirismos exibidos por Dylan no Bacon Theater. Em certos momentos, a voz dava saltos agudos num falsete espasmódico, como se ele tivesse aspirado grandes doses de hélio.
Sons meio sobrenaturais, estrépitos sincopados, soluços desvairados e murmúrios cavernosos embelezavam cada frase musical. Qualquer interesse que outrora Dylan houvesse tido em seguir uma melodia, manter-se no tom ou numa clara enunciação, foi deixado de lado, à medida que ele cantava suas músicas em pequenas raiadas furiosas, picotadas.
Mas se a interpretação de Dylan violou alegremente todos os cânones da projeção vocal, continuava sendo emocionalmente compulsiva. Embora outros possam ter caricaturizado seu estilo e atitude, ninguém conseguiu transmitir tanto seu sentimento quanto ele. Amado ou não, Dylan continua sendo um dos dois ou três cantores mais influentes da era do rock.
Seu 'grito de adolescência' abriu o reino da vocalização popular para uma geração de compositores originais, de vozes estranhas e feias, que desejavam interpretar suas próprias músicas. Sem Dylan para lhes permitir o acesso, talvez jamais tivéssemos ouvido o sussurro sepulcral de Lou Reed, o monocórdico David Byrne ou o falsete rachado de Neil Young.
A iconoclastia de Dylan acabou também por encaixar-se certinho na tradição vocal mais ampla da música popular americana, cujas vozes mais influentes chutaram para o alto as ideias convencionais de cantar 'bem'. A grandeza de Billie Holliday, Ray Charles, Hank Willians, Frank Sinatra e Barbara Streinsand, cantores americanos que, ao lado de Bob Dylan, por mais tempo marcaram os vocalistas populares do país, pouco têm a ver com uma projeção vocal e uma dicção precisa. Se esses cantores emitiram sons considerados 'bonitos', essa beleza foi quase incidental para sua arte. O mesmo se pode dizer de suas muito copiadas técnicas. Seguir a dicção e o fraseado de outro cantor jamais levou cantor algum à alma de uma música.
Os mais significativos cantores populares dos EUA podem dividir-se em três amplas categorias. Os mais esteticamente conservadores são artistas como Ella Fitzgerald, Mel Tormé, Linda Ronstadt, Jonnhy Mathis, Michael McDonald, Whitney Houston, Maureen McGovern e Judy Collins, que transmitem um senso clássico de equilíbrio e proporção ao que quer que toquem. Seus impulsos a fazer com que tudo dependa da emoção, em geral, estão subjugados a considerações formais de tom, altura, inflexão estilística, detalhe rítmico e precisão de interpretação, já que aspiram a um tipo de excelência tradicional.
À esquerda deles temos cantores frequentemente menos certinhos e cujos estilos são compilações óbvias, embora muitas vezes não deliberadas, de outras influências. Lembramo-nos de Elvis Presley, Michael Jackson, John Lennon, Bruce Springsteen, Jim Morrison, Prince, Elton John, Janis Joplin, Diana Ross e Rickie Lee Jones.
Ainda mais à esquerda, há verdadeiros pioneiros como Judy, Hollyday, Wilians, Sinatra, Streinsend e Dylan, que, apesar das influências (Bessie Smith sobre Hollyday, por exemplo, ou Woody Guthrie sobre Dylan) são ícones vocais sem precedentes. Ao contrário dos conservadores estéticos, eles agem quase inteiramente por instinto, e muitos talvez não estendam seu próprio talento."
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