sexta-feira, 8 de julho de 2011
O Jazz e a Indiferença Literária
A revista Música nº 70, de 1983, trazia uma interessante matéria sobre o pouco uso do jazz em importantes obras da literatura. Assinada pelo crítico Hélio Helman, o texto dizia em sua chamada que "apesar de um passado rico, com mitos marginalizados e histórias dramáticas, o jazz acabou desprezado pela ficção". Abaixo, trechos da matéria:
"Embora em termos de influência o jazz tenha atingido como uma metralhadora giratória todas as manifestações artísticas do século, é de causar pasmo que um dos alvos mais visíveis aqui, a literatura, tenha sido pouco afetado. Numa comparação rápida, o jazz guarda estreito parentesco com o futebol brasileiro que, inegável mola propulsora cultural, não rendeu até hoje obras-primas em prosa e verso, descontando-se a excessão (que só confirma a regra) da peça Chatuba Futebol Clube, de Oduvaldo Viana Filho.
O fato é que a literatura tem se servido desse filão riquíssimo que é o jazz, praticamente só como música incidental, composição de ambiente. Uma atitude imperdoável para com a uma área superpopulada de personagens incompreendidos, marginalizados - campo fértil para qualquer autor. Citar a vida de Charlie Parker, o mito supremo, chega a ser covardia. Mas que dizer da derrocada de Billie Holliday; da luta de Miles Davis contra os demônios das drogas; dos internamentos de Lester Young e Bud Powell; da festa que foi a vida e época daquele que já foi chamado de um dos maiores poetas em língua inglesa, Cole Porter? E não é só isso: algumas escolas do jazz têm um passado coloridíssimo. Vejam só o be bop ou o hardbop, frutos de estudos incessantes dos negros, que em seus guetos buscaram rechaçar o comercialóide jazz branco. A relação de temas não caberia numa lista telefônica só.
O reconhecimento dos beatnicks
Todo esse efervescente caldo de cultura não tem passado de pasto para traças da literatura. Desde o começo do século, quando irrompeu nos EUA, o jazz foi mero pano de fundo literário. Um aparecimento mais consistente na literatura americana (fico nela por ser a mais importante da atualidade e pelo seu acesso natural ao jazz, ocorreu no livro Seis Contos da Era do Jazz, onde no ensaio introdutório e na atmosfera fabricante dos contos, Scott Fitzgerald se refere à loucura dos anos 20 nos EUA, utilizando entre as referências da época as bandas do estilo Chicago e swing que animavam já as festas da alta sociedade branca. Daí para a frente, todas as tentativas de pôr no papel o american way of life esnobaram solenemente o jazz. No máximo, ele comparecia num conjunto de fundo numa barcaça que descia o Mississipi ou num cabaré qualquer de Nova Iorque.
O jazz ganhou espaço significativo nos círculos literários a partir dos anos 50, com a geração beatnick, que comandada por jazzófilos fanáticos como Jack Kerouac, colocou algo do espírito e bastidores do jazz em seus textos. Mais que vanguarda literária, o movimento beatnick, hoje se sabe, impôs um estilo de vida em muito precursor dos hippies, yippies, seitas orientais e tutti quanti. E o jazz, através de músicos como Bird, Lester, Miles, Sonny Rollins e Bud Powell, tornou-se umas das referências imediatas para a identificação desta geração. Mas o movimento beat, além de comprador fiel de LPs e ouvinte capaz de prestigiar músicos na noite, também serviu-se do jazz por sua postura avessa às concessões comerciais e pela liberdade de criação. Kerouac, por exemplo, põe seus personagens volta e meia escutando jazz na obra prima beat, On The Road, e, para não nos alongarmos, recitava seus textos em meio a trechos de jazz em shows nos cafés do Village (NY)"
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