Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 20 de julho de 2011

Caetano no Exílio, Vindo ao Brasil - 1971


Em uma postagem anterior, falei sobre o exílio de Caetano Veloso em Londres, citando a letra de London London para demonstrar seu estado de espírito naquele período. Porém durante sua estada na Inglaterra, ele chegou a cometer um ato um tanto imprudente e arriscado: fez uma rápida viagem ao Brasil, para visitar os familiares, por conta dos 40 anos de casamento de seus pais. Caetano sentia muitas saudades do Brasil, vivia deprimido com a distância e o frio de Londres, mas visitar o Brasil sem autorização dos militares era por demais arriscado. Segundo Caetano, quem o encorajou a desafiar a ditadura foi João Gilberto, que afirmou que ele poderia vir, que nada iria acontecer com ele. Como Caetano via em João um profeta ou algo assim, se encheu de coragem e desembarcou no Brasil junto a Dedé Gadelha, sua esposa na época, em janeiro de 1971. E como João Gilberto havia previsto, surpreendentemente nada aconteceu. A revista O Cruzeiro na época fez uma reportagem sobre essa rápida vinda de Caetano, intitulada "Caetano de Volta à Bahia´- Prefiro viver aqui"
"Salvador - O ambiente no apartamento do Edifício Andarahy, fundos do colégio Estadual da Bahia, está quase como na casa da infância dos meninos de dona Canô, em Santo Amaro: mesa grande na sala, flores, papéis coloridos para enfeite e cobertura dos frios da festa que hoje é de toda a família. Maria Bethânia usa uma camisa do Flamengo. Dedé está descalça. Há muitos abraços, beijos, amigos, parentes - uma agradável confusão.

Caetano surge na copa. Vem mascando chiclete.
- Até onde pretende ir - você que é tido como como renovador da música popular brasileira - para expressar-se musicalmente?
- Não pretendo ir muito longe. Pretendo voltar para a Bahia.
Caetano tem nas mãos algumas folhas de papel com mais de cem perguntas endereçadas por jornalistas daqui e de outras publicações nacionais. Uma delas é sobre os Beatles ('Dizem que você é um imitador deles...')
- Na verdade, os Beatles foram muito importantes para mim. Não tanto pelas músicas que faziam e sim porque eles existiam.
Sentado no chão, ele olha um retrato antigo de uma imagem em procissão. Ligeiro intervalo de silêncio, e a voz sai com certa amargura:
- Hoje, nem sei se minha música é mesmo válida. Todo mundo sabe que a música popular da Inglaterra e dos Estados Unidos foi de uma grande importância na década de 60. No início desta nova década, já se sente o esvaziamento desse movimento. Os Rolling Stones continuam sendo a presença mais forte da música inglesa. Mas o último disco de John Lennon é a coisa mais bacana que já se fez lá.

De repente os sobrinhos e primos o cercam: 'Cae!, Cae!'. O apelido da intimidade, que há muito não ouvia, comove Caetano, que abraça a todos.
- Você e sua mulher passaram fome em Londres?
- Nunca passei fome. Nem mesmo em Londres. Faturei bem no Brasil, e as minhas músicas davam-nos condições de viver bem, com os direitos autorais.
Mais parentes, mais amigos vão chegando. Querem saber quando ele voltará definitivamente para o Brasil.
- Não sei quando. O certo é que não aguento o frio e a vida fora desta vida. Fiquem tranquilos que meu filho nasce na Bahia.
- Alguma emoção especial na Inglaterra ou em outro país?
- Fiquei muito emocionado quando vi Jimi Hendrix tocando na Ilha de Wight.
É conversa para muitas noites, há muito o que dizer. Todo mundo quer falar, perguntar. De lá da cozinha, vem a voz da dona Canô:
- Cae, precisa se preparar para a missa, meu filho!

Rodrigo, o irmão de Caetano, que tem quase o mesmo rosto e o mesmo físico, informa:
- O padre da Igreja da Misericórdia disse que se soubesse que essa missa era para nossa família, não a celebraria. Tudo por causa do Caetano.
Há mais perguntas, Caetano respónde sempre. 'Em fevereiro sairá na Inglaterra, meu primeiro LP em inglês. Acho que nossa música popular está numa fase indefinida'.
- Depois dessa viagem, você se sente cidadão do mundo?
- Poderia viver em qualquer país. Mas a Bahia é Bahia. Prefiro viver aqui."

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