Palavras Domesticadas

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domingo, 26 de setembro de 2010

Waly Salomão


Um dos grandes e mais importantes personagens da contracultura brasileira, que surgiu na virada dos anos 70, foi sem dúvida Waly Salomão. Poeta, ensaísta, letrista, produtor cultural, dentre outras atividades, Waly atuou em diversas áreas. Lembro que a primeira vez que ouvi falar em seu nome foi em 1977, quando ele organizou um livro que trazia uma seleção de entrevistas de Caetano Veloso, lançado por uma pequena editora, que creio que era de sua propriedade, chamada Pedra Q Ronca. Depois vim saber que ele era parceiro de Jards Macalé em várias composições, e assim fui tomando conhecimento da atuação cultural de Waly Salomão, e sua ligação com movimentos culturais ligados a uma vanguarda literária. Na foto abaixo, que tirei de um recorte de jornal de meu acervo, aparece em primeiro plano Caetano, que voltava do exílio londrino, e ao fundo Jorge Mautner e Waly.
Em 1983 a editora Brasiliense publicou o livro Gigolô de Bibelôs, e através dele tomei conhecimento dos textos de Waly e sua linguagem caótica, numa prosa poética marcada por imagens variadas, como numa colagem em que se formavam palavras, frases, pensamentos, bem característico de uma geração que buscava através da poesia marginal uma nova forma de expressão. Waly, por sinal, foi um dos primeiros poetas marginais a publicar um livro, o hoje cultuado Me Segura Qu'Eu Vou Dar Um Troço, em 1972. Adoro esse título, que foi extraído de uma marchinha de carnaval dos anos 60, interpretada por Jackson do Pandeiro. Recentemente, ganhei de presente uma bela reedição desse livro, caprichada, com capa dura e papel de ótima qualidade, publicada com recursos do Ministério da Cultura, na época de Gilberto Gil ministro. Nesse livro, como em vários de outros de seus trabalhos, ele usa o sobrenome Sailormoon – Marinheiro da Lua, em inglês. Muitos o achavam chato, falastrão, um tanto exageradamente verborrágico, porém era a sua maneira de se expressar. Nas entrevistas que vi ele participar, ele me passava um grande entusiasmo pelo que fazia, e isso ele sempre expressou. Sua vasta cultura e envolvimento em vários projetos, o levavam a se expressar de forma sempre contundente, como bom baiano. Seu trabalho como letrista é bastante rico, tendo deixado várias excelentes composições com variados parceiros. Com Macalé, por exemplo, posso citar Vapor Barato, Revendo Amigos, Mal Secreto, Anjo Exterminado e Rua Real Grandeza. Com Caetano ele fez A Voz de Uma Pessoa Vitoriosa, Talismã e Mel, gravadas por Maria Bethânia. Há também parcerias com Moraes Moreira – A Cabeleira de Berenice e Lenda de São João. Em 1991 se juntou ao poeta e letrista Antônio Cícero, para realizar um projeto de parceria com João Bosco, que resultou no ótimo disco Zona de Fronteira. Como produtor musical, seu trabalho mais destacado foi o show Fa-Tal – A Todo Vapor, de Gal Costa, em 1971. Foi produzindo esse show que ele lançou Luiz Melodia, quando apresentou a Gal a música Pérola Negra, um dos grandes destaques do espetáculo, que depois virou disco ao vivo. Infelizmente, Waly nos deixou cedo, em 2003. Ainda foi lançado um livro póstumo, Armarinho de Miudezas, com seus últimos escritos. Haroldo de Campos, escreveu na orelha do livro: “Salve Waly! Sarraceno que sobreviveu aos Luzíadas e veio soprar no búzio ibérico do barroco afrobaiano com seu vertiginoso barbarinho de mil proezas”. Esse era Waly Salomão, o marinheiro da lua, uma figura que faz falta numa cena em que fez parte de forma tão contundente e absoluta, como seus escritos, sua fala, sua poesia, seu verbo encantado.

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