Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 16 de abril de 2010

Power Trio e Seus Cometas no País dos Mutantes



Em 1967, Gilberto Gil iria apresentar Domingo no Parque no Festival de Música da Tv Record, e queria cantar acompanhado de um grupo de rock. Caetano, que tinha a mesma ideia, conseguiu a banda argentina Beat Boys, que estava no Brasil, para acompanhá-lo em Alegria Alegria. Gil queria uma banda que não fosse do estilo jovem guarda, procurava algo mais ousado. Então alguém lhe indicou um grupo paulista que estava surgindo, e que tocava umas coisas meio malucas, e talvez fosse isso que Gil procurava. Era perfeito para o que ele se propunha, e assim Os Mutantes foram incorporados ao grupo que no ano seguinte seria responsável por uma revolução no panorama da MPB: o Tropicalismo.
Por isso a mostra A Irreverência da Tropicália, que o Sesc está trazendo durante esse mês, não poderia deixar de fora o lado elétrico e rock'n roll do Tropicalismo. Assim, a Betinho Assad Power Trio, formada por Betinho Assad (guitarra), Fábio Cabelo (baixo) e Felipe Begão (bateria) virou um quarteto com a participação especial de Thiago Azevedo, da banda Vibratto nos vocais, para apresentar um tributo aos Mutantes.
Foi com certeza um desafio para a banda, que traz em seu repertório blues e rocks de raiz, tocar Mutantes, uma banda que faz um som mais experimental e irreverente, com pitadas de ritmos brasileiros e latinos. Primeiramente foi necessário buscar alguém para fazer o vocal, já que o repertório dos Mutantes não é adequado ao estilo vocal de Betinho. Foi então convidado Thiago da banda Vibratto, especializada em classic rocks, que teria que topar o desafio de fazer o vocal de algumas músicas cantadas originalmente por Rita Lee, num tom diferente do seu. Além disso, a banda teria que escolher as músicas que melhor se adaptassem a seu estilo, sem poder deixar de fora alguns clássicos dos Mutantes.
O resultado desse desafio foi apresentado ontem no Sesc, e o que posso dizer é que foi um grande show. Thiago, que confessou que não era um grande conhecedor do repertório dos Mutantes, estava totalmente à vontade no palco, e foi interessante vê-lo cantar em português – só o havia visto cantar em nosso idioma uma única vez, em um show em homenagem a Raul Seixas, quando fez uma participação especial cantando Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás.
A apresentação começou com o maior hit dos Mutantes, Ando Meio Desligado. Foi uma excelente amostra do que viria pela frente. A banda estava entrosada com o som dos Mutantes, e a interpretação foi bem convincente. Em seguida vieram outras pérolas do repertório mutante, como Não Vá Se Perder Por Aí, Portugal de Navio e Minha Menina, de Jorge Ben, gravada por eles em seu primeiro disco. Em seguida, foi a vez de um autêntico rock'n roll, que levantou o público: Posso Perder Minha Mulher, Minha Mãe, Desde Que Eu Tenha O Rock' n Roll. O trio, de guitarra, baixo e bateria, estava perfeito e o vocal de Thiago parecia ser de alguém que ouvia Mutantes desde criança.
Foram tocadas músicas de todos os discos dos Mutantes da fase Rita, Sérgio e Arnaldo, sendo que a maioria era do álbum de 1972, Os Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets, da fase mais lisérgica e elétrica da banda. Desse disco, além de Posso Perder... também tocaram Dune Buggy e Beijo Exagerado, que Thiago destacou que tem uma levada a la Stones. Hey Boy e Tiro Leite (não sei esse é o título correto) também foram apresentadas, e o show se encerrou com outro hit da banda, Top-Top. Essa música, que foi gravada com vocais de Rita Lee, teve que ser colocada no tom adequado à voz mais grave de Thiago, o que acredito que deve ter dado um pouco de trabalho nos primeiros ensaios. Nessa música Thiago saiu do palco e deixou o trio executando uma jam instrumental, mostrando toda a virtuose de cada membro, numa performance memorável. Fábio Cabelo, um baixista de estilo sóbrio e seguro executou um solo de alto nível, remetendo a baixistas como Jack Bruce e Jaco Pastorius, duas de suas grandes influências. Felipe Begão é um baterista que tem uma técnica e uma coordenação fantásticas, e seus solos são contagiantes pela precisão e ritmo, de quem bebeu na fonte de Ginger Baker e principalmente Mitch Mitchell. Betinho é um músico que se adapta perfeitamente a qualquer estilo. Embora suas influências mais marcantes sejam Jimi Hendrix, Eric Clapton e Stevie Ray Vaughan, e mais voltado para o blues, ele se sente bem à vontade em qualquer repertório, como já provou no tributo ao Black Sabbath e no show de ontem.
Pra tudo ficar perfeito só faltou tocarem Jardim Elétrico. Quem sabe, de uma outra vez. Seria apenas mais um desafio.

3 comentários:

  1. Valeu Grande Márcio... o elogio vindo de alguém que realmente entende da coisa é mais do que gratificante...

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  2. Excelente texto, Márcio! Durante a leitura da resenha me senti como se estivesse assistindo ao show. Parabéns pelo Blog, sou um leitor assíduo!

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  3. Grande Márcio, faço minhas as palavras do Begão... o elogio vindo de alguém que realmente entende da coisa é mais do que gratificante! Sou um garimpeiro de música... sempre buscando coisas novas, aliás, coisas velhas, novas para mim, mas, sempre muito focado no que é feito lá fora! Foi preciso participar desse tributo, confesso, com muita cara de pau, pra perceber que puta banda foram "Os Mutantes". Mas, ainda bem, nunca é tarde demais pra conhecer e valorizar o que é bom! Obrigado pelas palavras e grande abraço!

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