Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Ziggy Marley Revisita as Pegadas do Pai (1988)

Em 1988 Ziggy Marley estava começando sua carreira, cercado de dúvidas e desconfianças. Ser filho de um mito como Bob Marley é um peso, pois as comparações são inevitáveis. E para um jovem músico que segue o mesmo estilo do pai famoso (algo inevitável para um jamaicano nascido sob a cultura do reggae) o início de carreira não é tão fácil como poderia se esperar. Após ter lançado dois discos sem grande receptividade, Ziggy acabara de lançar seu primeiro álbum com uma grande produção, "Consious Party". E assim foi com Ziggy, destacado na sessão Rio Fanzine, do jornal O Globo em sua edição de 05/06/88, em texto assinado por José Emílio Rondeau, e intitulado "A galeria Marley tem novo quadro". Numa legenda de uma foto ele diz: "São enormes as pressões em cima do trabalho de Ziggy. poderá ele levar adiante o legado do seu pai? As apostas estão abertas". Mas a verdade é que o tempo respondeu as indagações e dúvidas em torno de sua carreira que começava a se lançar como uma aposta naquele final dos anos 80. Ziggy se firmou, e leva adiante o legado do pai famoso. Segue abaixo a matéria;
"Filhos que seguem os passos dos pais não são novidade. É errado pensar quer encontrarão facilidades em suas carreiras artísticas por honra e graça dos laços de família. Pelo contrário: há casos em que o passado dos pais tem um peso e uma importância tão grande que chega a ser sufocante para o rebento iniciante. Ao menos a princípio haverá sempre uma nuvem carregada de expectativas altas, irreais até, sobrevoando o herdeiro. Certas vezes, o próprio destino se encarregará de atrapalhar as coisas um pouco mais. Julian, por exemplo, herdou a mesma tonalidade anasalada da voz do pai, John Lennon (que por sua vez, já arrastava o fardo de ter sido um ex-beatle), convidando a comparações sempre desvantajosas para o Lennon mais jovem. Jason literalmente sucedeu o pai, John Bonhan, no antigo posto, durante a reunião-de-uma-noite-só que o Led Zeppelin promoveu no dia 14 de maio, para a festa comemorativa dos 40 anos da Atlantic Records. Apesar de ambos - Julian e Jason - terem méritos próprios e características só deles, ainda precisarão passar por muitas provações e julgamentos até conseguirem de ser apenas Filho de...
A situação de Davd Ziggy Marley é especialmente delicada. Ele herdou não apenas o mesmo sobrenome e a mesma voz do pai - uma semelhança que chega a ser desconcertante - mas também um legado político/social/cultural, igualmente involuntário, que não é dos menores. Antes de ser morto por um câncer, em 1981, Bob Marley era o principal líder de seu país, a Jamaica. Ele não apenas disseminara o reggae no mundo inteiro como nenhum outro artista antes dele., fazendo com que a música de seu país se tornasse o mais popular gênero do Terceiro Mundo. Bob também unira as facções antagônicas da Jamaica de uma forma sequer sonhada pelo mais astuto candidato a um cargo público. Bob simbolizava tanto a força adquirida pelo reggae como música internacional quanto o esforço do Terceiro Mundo para alcançar sua autonomia. Além disso, ele era  a principal voz do rastafarianismo e da retomada das raízes africanas pelo povo da Jamaica. Se assim o desejasse, poderia ser eleito presidente. Mas o fato de ter permanecido músico, acima de tudo, torna sua trajetória mais espetacular ainda. Depois de Bob Marley, nenhum outro artista jamaicano conseguiu recuperar o terreno e o prestígio perdido pelo reggae através dos últimos anos. E ninguém conseguiu unir a Jamaica da mesma maneira unânime. E é aí que entra em cena Ziggy, um garoto de 19 anos que desde 1979 lidera a banda Melody Makers, formada com os irmãos Shain, Cedella e Stephen. Agora, após dois discos pouco conhecidos e fracassados comercialmente, Ziggy e os Melody Makers parecem próximos de um enorme sucesso, via o recém-lançado elepê 'Consious Party'.
Produzido por Chris Frantz e Tina Weymouth - a seção rítmica do Talking Heads - 'Consious Party' não deixa de soar como o disco que Bob provavelmente faria, nos dias de hoje, caso ainda estivesse vivo. A sonoridade e  os valores de produção têm uma modernidade à toda prova, mas nunca sobrepujam a tradição de raiz. Mas a extrema juventude e  o pan-culturalismo do álbum distanciam Ziggy do pai. Ao mesmo tempo, o que se poderia chamar de A Herança Marley - e aqui estamos falando com sua própria geração, em primeiro lugar, quando criam faixas como 'Tomorrow People', 'Consious Party' e 'Les and Molly'. Eles estariam, por assim dizer, fazendo um trabalho de base, a apresentação do reggae - como música de tradição, união e redenção - a gerações que porventura ainda não tenham sido apresentadas a ele. E é como contemporâneos dessas novas gerações que eles confrontam os mais velhos com 'We Propose' e 'Dreams of Home' - um tema profundamente espiritual que trata da volta dos jamaicanos à Mãe África, com um arranjo preparado pelo veterano Hugh Masekela.
E a utilização de músicos não-jamaicanos dá frsecor maior ao reggae juvenil de Ziggy e os MM: Jerry Harrison,, também dos Talking Heads, mais o clarinetista Lenny Picket e Keith Richards, dos (ex?)  Rolliing Stones. Não por acaso 'Consious  Party' está tendo uma aceitação maciça nos Estados Unidos, abastecida por uma turnê igualmente vitoriosa de costa a costa. É o disco de reggae mais acessível aos não-iniciados em longos anos. Com seis semanas de lançamento, no final de maio o álbum era o vigésimo sétimo mais vendido no país, de acordo com  a listagem da revista Billboard. Num show recente em Los Angeles, Ziggy superou a lotação do artista que se apresentara dias antes dele no mesmo lugar, o megabadalado Terence Trend D'Arby.
Quanto à capacidade de restaurar a união na Jamaica, talvez nem o próprio Ziggy deseje algo além de uma carreira como músico. Pedir dele a repetição dos triunfos do pai seria como desejar que a tal nuvem de expectativas despeje um toró sobre um garoto que pode estar apenas querendo ser um entertrainer. E ainda é cedo demais para se fazer qualquer tipo de previsão sobre o futuro dos Melody Makers. E é tal o descompromisso de Ziggy com o que se poderia chamar de Causa Séria que ele não teve pudores de posar como modelo numa recente matéria de moda para a revista Rolling Stone. "


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