Palavras Domesticadas

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terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Xangai Lança Disco - O Globo (1990)

Conheci o compositor Xangai por volta de 1973, quando ele, um jovem e desconhecido cantor e compositor baiano costumava se apresentar em um programa dominical na extinta TV Tupi. Seu canto trazia a influência dos cantadores do interior do sertão baiano, e anos mais tarde, Xangai seria um dos representantes da música de raízes das caatingas, assim como Elomar e outros. Dono de um estilo bem próprio de compor e de cantar, Xangai é respeitado pela autenticidade de sua obra, e por cantar e falar de forma simples a linguagem do povo do agreste, mantendo viva a tradição do canto dos violeiros.
Em 1990, Xangai participou do Projeto Seis e Meia, que acontecia no Teatro João Caetano, e aproveitando a ocasião, lançou mais um disco, "Eugênio Avelino", seu nome de batismo. Na ocasião o jornal O Globo fez uma matéria com Xangai, assinada por Mauro Ferreira, falando um pouco da vida do compositor, e seu novo trabalho:
"Ele aprendeu a cantar aboiando com os vaqueiros. Quando criança, abria o peito ainda pouco desenvolvido e cantava em terça com os peões do sertão de Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia. A vozinha, típica de uma criança de 6 anos, parecia com a de Tetê Espíndola, como hoje recorda, brincalhão, esse cantador, em cuja certidão de nascimento consta o nome de Eugênio Avelino, usado por ele para dar título ao seu novo LP. Mas todos o conhecem mesmo por Xangai, apelido adquirido quando foi trabalhar na sorveteria homônima do pai, em Nanuque, cidade do interior mineiro. Cantador e violeiro, Xangai é a atual atração do projeto 'Seis e Meia' do Teatro João Caetano. O trovador fica em cartaz até sexta, dia 28, com o show 'Um cantador na praça'.
A praça, no caso, é a Tiradentes, onde Xangai está mostrando que preserva a tradição dos sons nordestinos ouvidos por ele no auto falante de Vitória da Conquista, onde foi criado, ao lado dos nove irmãos. Já é 'mal' de família. O avô de Xangai, o véio Avelino, é considerado o maior sanfoneiro que o sertão de Vitória da Conquista já teve. Atualmente com 106 anos, o véio é tido como um mestre no pé de bode, apelido da tradicional sanfona de oito baixos. Mas seu filho, Jany, pai de Xangai, também não fica atrás. É ele quem, a bordo de sua sanfona, abre e encerra o LP 'Eugênio Avelino', o sexto e independente trabalho-solo de Xangai (no Rio, o disco pode ser encontrado na loja In-dependente, localizada na Avenida Bartolomeu Mitre, no Leblon).
Aos 42 anos, Xangai diz ter como proposta cantar os sons de sua terra, longe dos modismos fonográficos. Mas sabe que, para isso, não pode depender das multinacionais do disco. Tanto que quase todos os seus LPs foram lançados de forma independente ou por pequenas gravadoras como a Kuarup. O primeiro deles, 'Acontecivento', até saiu pela CBS, em 1976, mas Xangai não teve a mesma sorte de seus conterrâneos nordestinos Fagner, Elba Ramalho e Zé Ramalho, cujos LPs foram lançados com injeções de marketing.
Atualmente em meio à turnê de lançamento de 'Eugênio Avelino', Xangai vive com o pé na estrada. Embora cigano, o trovador tem sua 'pousada'. Aliás, duas. Uma é a casa que mantém em Salvador. A outra é uma pequena roça em Vitória da Conquista. O local de pernoite muda de acordo com a agenda, mas o visual simples é sempre o mesmo. Dele, faz parte o inseparável chapéu de vaqueiro cantador, do qual Xangai não esconde o orgulho.
- O meu chapéu foi desenhado especialmente para mim. É o meu chapéu de espadachim, de Quixote, em defesa da cultura brasileira.
A brincadeira soa com um ranço nacionalista. Xangai deixa transparecer a sua postura radical contra toda música cuja essência não é puramente brasileira. O trovador é capaz de fazer inflamados discursos sobre a pasteurização da atual MPB. Além disso, não hesita em batizar o moderno som sertanejo de música 'breganeja' e em disparar sua metralhadora contra o rock nacional:
- Sou radicalmente contra esses meninos de Ipanema que botam um brinquinho na orelha e dizem que não podem viver sem o rock. Eles são uns 'fuleiros' que não sabem dar quatro acordes. Onde já se viu nego fazer rock no Brasil? Deixa  pro Mick Jagger, pro George Harrison e pro Bob Dylan.
É o desabafo de um cantador que gosta de tomar cerveja na praia, degustar uma carne de sol, e que, marotamente, diz admirar mulher. 'Sou um apreciador da vida', diz. Da vida e de coerência do seu trabalho. Com a mesma convicção com que defende o trabalho de seus amigos cantadores ('Gosto muito dos meus amigos'), Xangai diz não ter ganância por dinheiro.
- Poderia estar muito rico se tivesse bajulado os diretores da CBS, mas eu tenho a missão de cantar a minha origem, os sonhos da minha terra.
Essa coerência foi a responsável pela decisão de Xangai de abandonar o curso de Economia. Ele  diz ter aprendido a cantar por necessidade, mas não parece nem um pouco arrependido da escolha da profissão.
Ainda bem. Assim, o cantador ficou nas praças. "

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