Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 24 de julho de 2013

No Tempo dos Festivais - Quando Ainda Se Podia Protestar - 1976 (3ª Parte))

"Em 1967, o Festival da Record continuava o mais importante. Impunha-se por vários motivos: os prêmios oferecidos, o lançamento em discos, logo depois de divulgados os resultados, das músicas cantadas, o time de compositores que concorria. Nesse ano, o Festival lançou a tropicália e a guitarra elétrica na música brasileira.
- O Festival da Record de 1967 - opina Dori Caymmi - foi o mais bonito de todos.
Em 1968, Solano Ribeiro organizou a I Bienal do Samba e fez um apelo: 'Por favor, não vaiem demais'. Tentava-se evitar a repetição do que acontecera em 1967: ao peso de vaias implacáveis, Sérgio Ricardo, praticamente impedido de cantar o seu Beto Bom de Bola, irritou-se e quebrou o violão, jogando-o contra o auditório. O episódio inspirou a manchete maliciosa de um jornal popular: Violada na Plateia. Nove anos depois, Sérgio Ricardo considera que agiu corretamente:
- Não tenho arrependimento. Era aquilo mesmo.
Na sua quarta versão, em 1968, o Festival da Record foi marcado pela presença do movimento tropicalista: Gal Costa cantando Divino Maravilhoso, de Caetano Veloso; Tom Zé sagrando-se vencedor, com São Paulo, Meu Amor; e os Mutantes interpretando 2001. A eletrônica era definitivamente incorporada aos arranjos e Paulinho Machado de Carvalho, diretor da emissora, não cessava de gritar: 'Este não será o último festival. Haverá o quinto e quero pagar para ver a luta entre a música popular brasileira autêntica e o tropicalismo'. Não viu. Aquele foi seu último festival.
Caetano se consagra com Alegria, Alegria em 1967
Para a I Bienal do Samba, 15 especialistas escolheram os 36 compositores que deveriam concorrer. A escolha - disse Sérgio Porto na época - seria na base do honra ao mérito; deveriam ser indicados os compositores de carreira mais longa e de maior acervo musical. Ocorreram no entanto coisas curiosas. Pixinguinha obteve apenas 11 votos, quando, por todos os títulos - e embora não fosse, a rigor, um sambista - merecia ser chamado por unanimidade. Sidney Miller, um compositor jovem, recebeu nove. E Geraldo Pereira, compositor consagrado, autor de Falsa Baiana e de outros clássicos, ficou com apenas um voto. Mas nem esse deveria ter recebido, pois havia morrido há 13 anos. A votação, sem nenhuma dúvida, comprometia a competência do colégio de votantes. A premiação acabou conferida a Baden Powell (Lapinha, primeiro lugar), Chico Buarque (Bom Tempo, segundo lugar), Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho (Pressentimento, terceiro lugar), Billy Blanco (Canto Chorado, quarto lugar) e Cartola (Tive Sim, quinto lugar). A música de Cartola, interpretada por Ciro Monteiro e hoje reconhecida como página belíssima, chegou a ser vaiada.
Elis Regina interpreta Lapinha, com Baden ao violão
Quanto ao FIC, em 1967 revelara um dos maiores compositores da safra dos festivais: Milton Nascimento, cuja música conquistara o segundo lugar, perdendo apenas para uma peça de tema lírico, Margarida, de Gutemberg Guarabira.
No ano seguinte, a tônica musical do FIC passou a ser o protesto. A guerra era o tema mais constante, embora as soluções mais frequentemente fossem o amor, a música e a flor. Dessa vez, Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores, de Geraldo Vandré, se fez quase um hino. O Maracanãzinho inteiro cantava: Vem, vamos embora que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. No palco, Vandré e seu violão, sem acompanhamento de orquestra: os maestros - dizia-se - faziam para todas as composições praticamente o mesmo arranjo, o que acabou cunhando a expressão 'música de festival'.
A canção de Geraldo Vandré, no entanto, não foi a vitoriosa. Em primeiro lugar ficou Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim.
- Todo mundo - rememora Chico - queria Vandré, mas as vaias que Sábia recebeu na parte nacional o Tom as aguentou sozinho, porque eu estava viajando. Só peguei as da parte internacional, que foram menores.
Na parte internacional, as preferências do público estavam com o ondulante andorrense Romuald, que cantou Au Bruit des Vagués. Soube-se depois que Romuald jamais havia posto os pés em Andorra.
A baixa qualidade das músicas internacionais desse festival já pronunciava a decadências dos seguintes. Já surgia o primeiro crítico pedindo o seu fim. Parecia que os organizadores - o tão criticado Marzagão à frente - estavam mais interessados em que muitos países fossem representados independente da qualidade das músicas. Dizia-se inclusive que os compositores tinham em mente o Maracanãzinho ao comporem suas músicas: a maioria tinha pelo menos uma palavra acessível aos brasileiros. A que representava o Japão chamava-se Sayonara, Sayonara."
(continua)

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