Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 22 de julho de 2013

No Tempo dos Festivais - Quando Ainda Se Protestava - 1976 (1ª Parte)

Em 31 de dezembro  de 1976 o Jornal do Brasil trazia em seu Caderno B uma ótima e longa matéria sobre os antigos festivais de musica, trazendo por título "No Tempo dos Festivais - Quando Ainda Se Protestava". A foto que abre essa postagem foi extraída da matéria, e traz o público se manifestando e vaiando alguma música. As vaias muitas vezes eram injustas e despropositadas, mas pelos menos era uma forma de protesto, numa época de tanta repressão. Segue abaixo um trecho da matéria:
"Há 10 anos, numa noite de outubro, Nana Caymmi cantava Saveiros no palco do Maracanãzinho. Era a final da parte nacional do I Festival Internacional da Canção. Nana tinha 22 anos e quase nenhuma experiência musical. Os ensaios, naquele dia, haviam começado às quatro da tarde e ela não pudera ir à Copacabana amamentar seu filho de dois meses. Enquanto defendia, apoiada pela orquerstra, a música de seu irmão Dori e de Nelson Mota, os seios inchados jorravam leite e lhe molhavam o vestido. O público nada percebia: mal ouvia a interpretação que acabou valendo a Nana o prêmio de melhor intérprete. Eram 25 mil pessoas preocupadas apenas em vaiar.
- Alguma mágoa, Nana?
- Nenhuma. As pessoas têm a mania de pensar que eu fiquei traumatizada. Na verdade, achei ótimo. Se fosse dada ao brasileiro a chance de vaiar, ele vaiava tudo. A vaia não foi para mim nem para Dori. Nem para Saveiros. Qualquer primeiro lugar seria vaiado, serviria apenas de motivo a um protesto. Naquela época ainda se protestava.
As vaias recebidas por Nana repetiram-se para os vencedores dos sete festivais internacionais dos anos seguintes e foram sentidas também pelos premiados em outras variações dessas paradas musicais milionárias. A vaia era constante. Mas os festivais, sob diversos aspectos, não eram exatamente os mesmos, embora tenham tido um ponto em comum na origem:
- A criação dos festivais - diz Chico Buarque de Hollanda - está ligada à televisão, ou melhor: a um clima musical, existente na época, captado pela TV.
-Ainda que se fizesse o maior festival do mundo - confirma Edu Lobo - o provável seria seu esquecimento dentro de uns 30 dias, se não houvesse uma programação musical que desse sequência ao trabalho apresentado no concurso. E a programação musical da TV, à época, era violenta, coisa de quatro a cinco grandes horários por semana. De janeiro a outubro, mil acontecimentos. No final do ano vinha o festival.
Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque recebe grande vaia

- Havia - depõe Caetano Veloso - uma transação muito especial entre música e televisão. Num tempo em que ainda não existia a ideia de rede nacional, a Record detinha a maior audiência de São Paulo, a maior cidade do Brasil. E essa maior audiência era, fundamentalmente, uma conquista da música, que por seu lado também dependia muito da TV. Havia muitos programas musicais, entre eles os festivais, que eram uma forma de transmitir o clima da época.
Edu Lobo começa a estabelecer as diferenças:
- O quente, mesmo, era o Festival da Record. O filé mignon das músicas que fazíamos era pra ele. O restante é que ia para o festival internacional, o FIC.
Caetano Veloso vai mais longe:
- A história do FIC não chega a ter a metade da importância da história dos festivais da Record.
Edu Lobo premiado com Ponteio
O que passou à crônica como Festival da Record, começou, na realidade, na antiga TV Excelsior, em 1965, quando Edu Lobo conquistou o primeiro lugar com Arrastão, composição feita em parceria com Vinícius de Moraes. A cantora Elis Regina, que segundo um jornal do dia seguinte, 'acompanhava cada frase com seu característico movimento de ombros e braços, quase que puxando ela mesma um arrastão do mar', teve papel importante nessa vitória. O movimento de braços acabou marca registrada dessa intérprete, que ali se firmou como uma das preferidas do público. Em festivais posteriores, os gestos vigorosos também somar-se-iam à voz e à interpretação para dar fama a outros cantores. Estão nesse caso Jair Rodrigues, defendendo Disparada (Théo de Barros e Geraldo Vandré), e Marília Medalha, a cantora-atriz, interpretando Ponteio, de Edu Lobo e Capinam.
O Festival da TV Excelsior apresentou alguns aspectos que permaneceram imutáveis: vaias, intrigas de bastidores, torcidas organizadas, problemas com o júri, já nessa ocasião. Wilson Simonal recusou-se a subir ao palco quando a apresentadora, Bibi Ferreira, chamou os cinco primeiros colocados. Dedo em riste, Simonal, que cantara uma música classificada em quinto lugar, fazia uma acusação: se o festival era nacional, o júri não poderia declarar vencedora uma música 'regional', como Arrastão. A despeito de posta em suspeição a música regional continuaria a merecer a preferência do público e do corpo de jurados em anos seguintes, como provam as vitórias de Disparada e de Ponteio, ambas canções de total acento sertanejo, sem características urbanas."
(continua)

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