Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 6 de junho de 2013

Sergio Dias Fala Sobre o Flower Power (Parte 2)

"A cena musical era completamente diversificada nos anos 60. Yardbirds, Jefferson Airplane, Grateful Dead, Pink Floyd. Até os grupos que tinham ligação com os ritmos tradicionais americanos, como o Creedence Clearwater Revival, Crosby, Stills, Nash & Young, Steppenwolf, tinham harmonias vocais maravilhosas. Ninguém estava brincando naquela época. 'Yes It This', dos Beatles, é uma porrada.
Aqueles vocais nasceram do coração dos caras. É genial. Se você pedir para eu dizer do que gostava mais ou em que prestei mais atenção, vai depender do mês, do ano, do dia. Seria impossível manter um diário sobre isso. Lembro de Manfred Mann, por exemplo, dos Beatles, de ouvir Hendrix pela primeira vez, do Gentle Giant, do King Crimson. Não sou bom com datas. Só comprei um relógio em 1980 e depois joguei na parede. Vi todos os shows que você puder imaginar. Mas, naquele período, a apresentação em si não importava, mas sim o que estava acontecendo em volta dela e na plateia. Hoje é raro um momento em que você sente a plateia mais forte do que a banda. Isso era uma constante na época. As bandas estavam ali como meras coadjuvantes. Elas estavam lá refletindo o que a plateia era. Se tirasse a banda de lá não faria a menor diferença.
A gente viveu completamente o sonho hippie no Brasil apesar da ditadura militar. Não existiam barreiras entre América e Brasil nesse sentido. Era algo que acontecia ali e aqui ao mesmo tempo. Por isso digo que foi um enorme vórtex, um cataclismo universal que atacou o mundo quando ele não estava preparado. Antes de os Mutantes se mudarem para a Serra da Cantareira, em São Paulo, já vivíamos um pouco da vida comunitária na Pompeia. Ficávamos todos na casa do meu pai, coitado. Era um fato, aquilo tudo estava acontecendo lá, na minha casa.
Sempre havia de sete a dez pessoas circulando por lá. Havia uma fábrica de guitarras embaixo, gente ensaiando o tempo todo, minha mãe tocando, meu pai lendo poemas. Era inacreditável. Nesse aspecto, nasci pra lua, malandro.
A tropicália não foi uma jogada do tipo: 'Vamos juntar música brasileira com o rock de São Paulo'. Se você tirar nossas guitarras e baixo do tropicalismo, o que sobra? Tudo era muito bem amarrado, havia uma concepção de alto nível. A influência que tivemos foi extremamente importante. Não tinha como o Gil não ouvir a gente, porque ele era um cara inteligente.
Os Mutantes nunca foram uma brincadeira, mesmo que fôssemos bem-humorados. Nós escutávamos de Wild Side Story, Wes Montgomery, Adoniram Barbosa e Stravinsky. Quando os Beatles lançaram Help! no Brasil, tocamos no mesmo dia na televisão. A gente tinha ouvido antes, na BBC de Londres, em rádio de ondas curtas. Íamos à luta para conseguir informação. Era uma vida muito rica, não só musicalmente Eu vivia dentro do Teatro Municipal. Quando ouvi as orquestrações nas canções dos Beatles, imediatamente mostrei a minha mãe, 'olha, progressões de tom em tom'. Para ela era algo familiar, mas a concepção era muito boa. O arranjo de cello feito para 'Yesterday' é impecável. Adoraria conhecer o George Martin."
(Continua)

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