Antigamente, se morria. 1907, digamos, aquilo sim é que era morrer. Morria gente todo dia, e morria com muito prazer, já que todo mundo sabia que o Juízo, afinal, viria, e todo mundo ia renascer. Morria-se praticamente de tudo. De doença, de parto, de tosse. E ainda se morria de amor, como se amar morte fosse. Pra morrer, bastava um susto, um lenço no vento, um suspiro e pronto, lá se ia nosso defunto para a terra dos pés juntos. Dia de anos, casamento, batizado, morrer era um tipo de festa, uma das coisas da vida, como ser ou não ser convidado. O escândalo era de praxe. Mas os danos eram pequenos. Descansou.Partiu. Deus o tenha. Sempre alguém tinha uma frase que deixava aquilo mais ou menos. Tinha coisas que matavam na certa. Pepino com leite, vento encanado, praga de velha e amor mal curado. Tinha coisas que tem que morrer, tinha coisas que tem que matar. Que mais podia um velho fazer, nos idos de 1916, a não ser pegar pneumonia, deixar tudo para os filhos e virar fotografia? Ninguém vivia pra sempre. Afinal, a vida é um upa. Não deu pra ir mais além. Mas ninguém tem culpa. Quem mandou não ser devoto de Santo Inácio de Acapulco, Menino Jesus de Praga? O diabo anda solto. Aqui se faz, aqui se paga. Almoçou e fez a barba, tomou banho e foi no vento. Não tem o que reclamar. Agora, vamos ao testamento. Hoje a morte está difícil. Tem recursos,tem asilos, tem remédios. Agora a morte tem limites. E, em caso de necessidade, a ciência da eternidade inventou a criônica. Hoje sim, pessoal, a vida é crônica.
Paulo Leminski
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