Palavras Domesticadas

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terça-feira, 22 de junho de 2021

Balanço Musical de 1977 - Soul e Disco Music Tomam Impulso (Jornal de Música)


 Em sua edição nº 37, de janeiro de 1978, o Jornal de Música fazia um balanço do que foi o ano de 1977 na área musical. Várias vertentes da música foram analisadas, sendo feitas previsões para o ano de 1978, que se iniciava. Destacarei aqui a vertente do soul e da black music no plano nacional e internacional. A disco music já ganhava força, e previa-se que o ritmo iria prevalecer nos próximos anos, o que ocorreu. Em termos de Brasil, o movimento Black Rio viveu seu apogeu em 77, além do crescimento da música negra brasileira, sendo destacados nomes como Banda Black Rio, Carlos Da Fé, Cassiano (foto), Gerson King Combo, e outros nomes. A matéria é assinada por Gabriel O'Meara:

"Em matéria de soul, o ano de 1977 foi repleto e farto. Tantos foram os lançamentos que um bom soul-maníaco precisaria de uma grande conta bancária para comprar tudo, e ainda, necessitaria de um 'banco-de-memória', comparável aos dos computadores mais sofisticados para guardar os nomes de grupos novos como High Energy, The Controllers, Keele Patterson, Brick, Rose Royce, Cameo, The Originals e dezenas de outros mais que passearam pelos primeiros lugares das paradas de soul durante o mês de dezembro.

Misturados aos novatos, Earth, Wind and Fire, Barry White, Emotions, The Jacksons, Telma Houston e Memphis Horns também marcaram presença. É interessante notar que pelo menos a metade desses artistas trabalha dentro da linha discotèque, às vezes disfarçadamente (vide Jacksons e Rose Royce) ou assumindo completamente o gênero. As revelações do ano também se dividiram entre as duas categorias. Do lado do soul puro, Commodores, EWEF, Tower of Power, Natalie Cole, Emotions, Average White Band, Candi Staton, Al Green e War, saíram ótimos LPs, todos editados no Brasil. Falando do EWEF, que lançou um excelente álbum duplo ao vivo, o Gratitude, o grupo acaba de lançar um tremendo disco nos Estados Unidos com um pout-pourri de duas músicas de Milton Nascimento, resultado da visita do guitarrista Johnny Grahan ao Brasil há seis meses atrás. Eumir Deodato também está presente nesse novo disco.

Al Green

No terreno da discotèque, o melhor lançamento foi da Top-Tape - 'The Originals', um conjunto norte-americano de estúdio. Completamente desconhecido na 'terrinha', esse grupo gravou verdadeiras joias-discos. Os outros artistas do gênero que merecem atenção são G.C. Cameron, T. Connection, Trammps (é claro), Johnny Taylor, Harold Melvin e Boz Scaggs. Depois dos Originals. Seus discos preferidos foram lançados pelo  Trammps e pelo T. Connection.

No Brasil as coisas iam bem no começo do ano, mas pelo fim de 77 parece que houve uma desaceleração do embalo. Em janeiro, Cassiano lançou o LP 'Cuban Soul' que, na minha opinião, é longe o melhor soul já feito no Brasil. Teve também o lançamento quase simultâneo de Gerson King Combo e o último álbum de Tim Maia pela Philips. Gerson é aquilo mesmo, quase uma paródia do que ele próprio diz ser - O Rei dos Blacks! Houve também lançamentos 'soulizados' da WEA (eu acho que o deslumbramento de André Midani com um possível mercado black se estabilizou pois Dom Charles, que seria o maestro soul residente e o Dom Filó, da Equipe Soul Gran Prix são, no mais, acionistas da casa).

A Banda Black Rio lançou seu 'Brasoul' e, apesar de não obter muito sucesso dentro do chamado Black Rio (que prefere James Brown) provou ser a mistura perfeita de raízes brasileiras e soul. Viva eles! O Luís Carlos Dafé fez um trabalho paralelo ao da Banda Black Rio, tanto que a usou na gravadora do seu LP. Outro dia mesmo ouvi um disc-jockey da Rádio Globo falar que 'Cassiano morreu e Dafé assumiu'. Não é bem assim. Cassiano não faz shows e devido a seu estranho comportamento esquizofrênico, pouco se vê de meu camarada Dom Cassio. Por sua vez, Dafé se apresenta ao vivo com frequência e cuida de sua carreira, emplacando várias músicas nas paradas no decorrer do ano. Dafé é mais calcado em suas raízes do que Cassiano, mas é notável a influência da voz desse último em sua voz. Outros dizem que a semelhança é com Fagner (prestem atenção em 'Era Lindo').

Tim Maia gravou outro disco, só que dessa vez na Som Livre, bem superior ao lançado no começo do ano pela Phonogram. Como diz o meu amigo Nelson Motta, 'precisamos urgentemente tomar consciência de que estamos diante de um dos maiores cantores de nossa música'. Right On! Ainda precisamos de tempo para ver no que dá o último passo do disco da Phonogram, a recentíssima Lady Zu. A CBS também cuidou de aprontar artistas soul, como Robson Jorge, que lançou um bom álbum que só foi prejudicado pela linearidade de arranjos.

Tony Bizarro também foi prejudicado em seu disco pela falta de imaginação, salvo a linda faixa 'Nesse Inverno'. Tony faz o gênero Tim Maia, sendo semelhante ao veterano tanto artística como fisicamente. Cláudia Telles também sapecou seu 'soul-pop' pela CBS, emplacando 'Preciso Te Esquecer' em primeiro lugar. O Mita gravou um bom disco, perdido no grande abismo da má divulgação da Continental (sorry, Coutinho).

É isso aí. Se faltou coisa tentarei me lembrar. Até o fim de 78, que deve ser um tremendo 'soul year' para todos nós."



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