Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 25 de junho de 2021

Arrigo Barnabé - Revista Veja (1980)

Arrigo Barnabé representou uma renovação vanguardística na MPB em fins dos anos 70 e início dos 80. Seu álbum de 1980, Clara Crocodilo, lançado em 1980, trazia elementos musicais da escola dodecafônica, junto a elementos multimídia, como a linguagem dos quadrinhos e a locução típica de programas policiais sensacionalistas de emissoras de rádio AM, tudo embalado num grande liquidificador musical concebido por sua criatividade, lembrando a estética caótica utilizada em alguns trabalhos de Frank Zappa. Arrigo acabou sendo um dos artífices de um movimento musical surgido nos anos 80 em São Paulo, a Vanguarda Paulista, que abarcaria outros grupos e artistas, como Itamar Assumpção, Grupo Rumo, Premeditando o Breque, Eliete Negreiros, Língua de Trapo e outros. Em dezembro de 1980, a revista Veja trazia a resenha de um show de Arrigo em São Paulo, em matéria assinada por Marília Pacheco Fiorillo e intitulada Sabor Sem Igual: “No Festival 79 da TV Tupi sua música ‘Sabor de Veneno’ foi recordista das vaias – mas já uma das classificadas. As gravadoras fingem ignorá-lo, enquanto figuras como o concretista Augusto de Campos e o maestro Júlio Medaglia começam a saudá-lo como a única boa nova musical dos anos 70. E neste show que estreou na quarta-feira no Auditório Augusta, em São Paulo, uma plateia entre 15 e 30 anos de idade exige bis, delirante: Arrigo Barnabé, 29 anos, nascido em Londrina, no Paraná, ex-estudante de arquitetura e música, compositor e líder da banda Sabor de Veneno, começa a ter seu eleitorado para a vaga deixada com o esmorecimento do tropicalismo. E isso acontece em boa hora: maldita, e engraçada, insólita e rigorosa, a música de Arrigo é uma combinação até então inédita – e feliz – das lições dos eruditos de vanguarda com aquelas da tradição popular. Algo como um virado de Cartola e Stockhausen, temperado ao molho cáustico e enxuto do pop e da linguagem das histórias em quadrinhos.
As composições de Arrigo aliam a dissonância musical, chegando ao atonal, a uma vocalização das letras que faz cada sílaba inseparável do seu acorde. Impossíveis de assobiar, mas extraordinárias para serem ouvidas, a maioria de suas criações está presente no show. Desde as mais antigas, como ‘Clara Crocodilo’, de 1972 – em ritmo de noticiário policial de rádio, contando a saga de Clara, um monstro underground – até a mais recente ‘A Europa se Curvou Diante do Brasil’, glosando o aventureiro Santos Dumont. Irreverentes no conteúdo, na linha melódica e na movimentação em cena, com seus sustos no momento exato, as músicas de Arrigo são às vezes cheias de citações. É o caso de ‘Diversões Eletrônicas’, na qual ele homenageia a um tempo Paulinho da Viola e a dupla Silvio Caldas e Orestes Barbosa, comentando trechos da seresta ‘Arranha-Céu’.
O espetáculo é inteligente o bastante para que o despojamento da produção passe despercebido. Os figurinos das vocalistas são de última hora, mas o desempenho delas é impagável. De toda esta subversão competente, os melhores momentos ficam com ‘Orgasmo Total’ e a sequência ‘Office-Boy’/’Clara Crocodilo’. No primeiro, uma corrosiva investida contra o marketing do sexo. Não passe ridículo/Você também pode ser feliz como eles./Basta pedir hoje mesmo, pela caixa-postal 6969, seu exemplar de ‘O Orgasmo ao Alcance de Todos’, diz a letra, ferina. Nos outros dois, a melhor crônica do urbano brasileiro dos anos 70 já feita em verso musicado. As três músicas, com mais cinco, estão gravadas num disco independente, que leva o nome do anti-herói, ‘Clara Crocodilo’. Que está para os anos 80 como a ‘Garota de Ipanema’ esteve em outras épocas – com a vantagem de ter seu balanço na cabeça, e não nos quadris.”

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