terça-feira, 3 de janeiro de 2012
Regendo o Avesso - Luiz Tatit
A música de Luiz Tatit sempre chamou minha atenção. Nos anos 80, o Grupo Rumo era um dos meus grupos preferidos, e as letras de Tatit era um dos fatores que me fazia gostar tanto daquele grupo da Vanguarda Paulistana nos anos 80. Apesar de só ali, naquele período, eu tomar conhecimento da obra de Tatit, eu já o conhecia de nome, de uma matéria publicada no início de 76, no Jornal de Música, que vinha encartado na revista "Rock, A História e a Glória". Havia nessa publicação uma sessão chamada Ilustre Desconhecido, que falava sempre de um músico ou banda que não era conhecido do grande público, ou por estar ainda no início de carreira, ou por trazer um trabalho pouco comercial. Luiz Tatit, que na época só trazia o sobrenome como nome artístico, foi destacado naquela edição, numa matéria assinada por Maurício Kubrusly, que mais tarde ficaria famoso por apresentar quadros no Fantástico. Eis a matéria:
"Mais ou menos ilustre, Tatit provavelmente terá de se conformar em permanecer para sempre desconhecido. Pelo menos, no que depender de discos. Ou será que alguma gravadora se arriscaria a lançar um compositor intéprete entoando uma letra como esta?
Han-han
Ahn
Xiiiiiiii!
Hein? Tá!
Nossa! É isso!
Hei! Oh! Para!
Este é um trecho dos versos da canção 'Ah!', na qual Tatit brinca com interjeições, empregando-as de maneira não convencional - por exemplo: um 'Oba!', exclamação que usualmente aparece na forma ascendente, surge de maneira inversa, numa frase melódica descendente, revelando inconfundível desânimo. Questionar os lugares comuns da música popular é uma das intenções do trabalho desse paulista, hoje estudante da música dita clássica.
- Nosso trabalho pode ser definido como um estudo das unidades melódicas naturais que acompanham a fala, e a utilização delas no processo de composição. A fala revela-se como elemento essencial na música chamada popular. O resultado do nosso trabalho não é muito 'bonito'; é antes, interessante. Não mostramos 'música para o deleite', mas elementos para discussão. E eles surgem através de perguntas como: o que adianta a música sem comunicação fácil? seria popular também?
Por enquanto, no caso de Tatit e seu grupo (todos estudantes da Universidade de São Paulo), as respostas têm sido sempre negativas. Nos poucos recitais que conseguiram apresentar, as plateias, obviamente surpreendidas, permaneceram quase estáticas, não aderindo ao debate proposto. A surpresa torna-se, portanto, a presença dominadora, talvez até incômoda, na relação entre Tatit e o público. Porque não se trata, por exemplo, de uma espécie de 'novo Walter Franco'. Não, Tatit ultrapasa todos esses limites usuais da vanguarda da música popular, com ou sem aspas, para oferecer propostas como: uma canção montada a partir dos refrões de uma feira. Mostra então, a fita que gravou numa feira de rua, onde se ouve o pregão do vendedor de peixe, o grito do garoto que vende limão, a malícia de um feirante que mexe com uma empregada ao mesmo tempo que anuncia o preço do tomate, etc. Trocando algumas palavras. Tatit e seu grupo recriam esse universo e conseguem montar uma peça magnífica, madrigal urbano, e contemporâneo, com várias vozes.
Outro exemplo: 'Tema de Amélia', uma colagem de partículas de sambas de Ataufo Alves, denunciando os comportamentos mais comuns das composições de Ataulfo - ou, dos sambistas em geral. (E Tatit interpreta a 'canção' quase à capela, praticamente sem acompanhamento, num recitativo distante de tonalidades e andamentos, ritmos e harmonias comuns. E, este inusitado o distancia ainda mais do universo acomodado da música de mercado). Mais um exemplo: 'Vou Contar', de autoria de Paulo, músico do grupo de Tatit: trata-se de um rock pândego, construído somente com aquelas partes menos valorizadas pelos músicos e público, ou seja: os ruídos iniciais ou finais das faixas, a afinação dos instrumentos, os gritos de estímulo à plateia ('Are you ready?) ou de consulta ao técnico de som ('OK, man?')(...)
No começo Tatit quase arriscou uma escorregada até o hit parade, criando o que chama de 'música de inspiração', com redundâncias agradáveis de ouvir, simplezinhas. Mas logo preferiu não repetir, se propondo investigar os maneirismos e mesmices dessa música. A partir daí, suas apresentações se tornaram mais raras; as plateias, mais vazias; e a distância dos estúdios, das gravadoras, muito, maior."
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