Em 1993 foi lançado um excelente jornal especializado em música, chamado Mixer. Foi mais uma daquelas ótimas, porém efêmeras publicações - creio que só durou duas edições (pelo menos foram as duas únicas que conheci). O jornal trazia um bom time de redatores, como Pedro Só, Camilo Rocha, Gastão, Claudio Willer, Sonia Abreu e Fernando Naporano, dentre outros. De seu conselho editorial fazia parte o prestigiado maestro Julio Medalha. Em seu primeiro número, o jornal trazia um bom texto sobre a geração beat e sua influência no rock e na cultura em geral, assinado por Claudio Willer. Abaixo transcrevo trechos da matéria, que se intitula "A Geração Beat Abriu a Porta Sem Bater":
"Ao que consta, as bandas de Seattle são influenciadas pela Geração Beat. Mas, para não acabar escrevendo a história da música pelo método confuso, é preciso verificar quais manifestações importantes na área do rock, pop e jazz não tiveram influência da beat nas últimas três ou quatro décadas. Talvez seja mais fácil fazer o levantamento dos refratários ao impacto provocado por Allen Ginsberg, Jack Kerouac e seus companheiros de viagens e literatura. Uma influência plural, exercida sobre grupos, intérpretes e tendências. Discuti-la em detalhes obrigaria a comentar as homenagens prestadas por Laurie Anderson a William Burroughs, como em seu filme-performance "Home of the Brave". E o modo como grupos punk também homenagearam o autor de 'Naked Lunch" (Almoço Nu, na tradução brasileira). Ou então, registrar os encontros e trocas de figurinhas de Allen Ginsberg com Bob Dylan e outros expoentes da música de protesto. Tomemos, por exemplo, a fase do rock lisérgico. Alucinógenos tornaram-se moeda corrente da contracultura dos anos 60, depois de serem tema de Ginsberg (nos poemas sobre mescalina, LSD e aiauasca de 'Kaddish and other poems').
Então, quando um grupo como o Jefferson Airplaine rodava pelos Estados Unidos, por volta de 1967, distribuindo LSD para quem quisesse experimentar, no ônibus psicodélico capitaneado por Ken Kesey, o autor de 'Um Estranho no Ninho', eles haviam assimilado toda essa literatura e a estavam pondo em prática.
A lista de conexões entre literatura beat e música vai mais longe. Basta lembrar os rapazes de Liverpool que, há mais de três décadas (na época da publicação), batizaram seu conjunto de The Beatles, depois de uma visita de Allen Ginsberg à Inglaterra, conforme revela Bruce Cook, em seu livro 'Beat Generation'. Isso, como uma das consequências da explosão beat na segunda metade dos anos 50, com a publicação e a venda de milhões de exemplares de 'How and other poems', de Ginsberg e 'On the Road', de Kerouac.
Outras influências são menos acidentais. É o caso de um dos personagens mais complexos da história da música contemporânea, Jim Morrison. Também poeta, Morrison revestiu-se de rebelião e hiper-romantismo. No entanto é como se ele tivesse lido Artaud, Rimbaud, William Blake e outros poetas da rebeldia e transgressão através do olhar de Allen Ginsberg ou de William Burroughs. O nome de seu conjunto, The Doors, remete a isso. A ideia de transpor uma porta está presente em Ginsberg, por exemplo, na epígrafe de abertura de 'Howl and other poems': 'Soltem a fechadura das portas! Soltem também as portas de seus batentes!'. A mesma porta está em várias passagens de William Blake, autor referencial de ambos, Ginsberg e Morrison (...)"
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