quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Caetano e o Pasquim (1969)
Em 1969 Caetano e Gil viviam exilados em Londres. Nesse ano surgiu um novo veículo de comunicação que seria o principal órgão de imprensa a expresar críticas à ditadura militar que se instalara no Brasil há cinco anos - o jornal O Pasquim. Naquele período, Caetano passou a escrever regularmente para o jornal, enviando notícias de seu exílio. Muitas crônicas foram escritas naquele período. Ao homenageá-lo com a música Quero Voltar Pra Bahia, o compositor Paulo Diniz dizia : "Via Intelsat eu mando notícias minhas para O Pasquim...". O Intelsat citado na música era um satélite que permitia que notícias e imagens de países distantes chegassem até nós em tempó real, uma novidade na época. A ilustração dessa postagem mostra uma interessante foto de Caetano tirada em Londres, que rendeu ao jornal uma bela capa. Abaixo reproduzo uma crônica de Caetano publicada em novembro de 1969:
"Hoje quando eu acordei eu dei de cara com a coisa mais feia que já vi na minha vida. Essa coisa era a minha própria cara. Eu sou um sujeito famoso no Brasil, muita gente me conhece. Eu acredito que a maneira pela qual esse conhecimento se dá pode dizer muito a mim mesmo sobre mim. Acho que uma capa de revista pode ser como um espelho para um homem famoso.
Quando um homem vê sua cara no espelho ele vê objetivamente em que estado a vida o deixou.
O vídeo-tape, a fotografia colorida e as manchetes que incluem o nome de um homem famoso são também assim como o espelho. Durante todo o tempo em que estive trabalhando em música popular no Brasil eu sempre levei em conta esse fato. E eu pensava que estivese fazendo alguma coisa, pois a imagem que me era devolvida era a de alguém vivo, em movimento, passando realmente por essas coisas.
Hoje eu fui à aula de inglês e Mr. Lee me ensinou como usar direct speech em lugar de reported speech. Depois da aula King's Road estava sem beleza, sob uma chuva fria e crônica. Eu atravesso as ruas sem medo, pois eu sei que eles são educados e deixam o caminho livre para eu passar. Mas eu não estou aqui e não tenho nada com isso.
Estou andando como homens, com meus dois pés. Não penso em fazer nada. Alguém entende o que seja isso?
O cara que me vende cigarro no Picasso fala espanhol. Na janela da casa onde estou morando tem uns gerânios que já estão secando por causa do outono. Meu coração está cheio de um ódio opaco. As crianças inglesas são belas e agressivas. A Rainha Elizabeth está pedindo aumento de salário. Eu não dependo disso tudo. Nada disso depende de mim. O aspirador não serve para limpar as cortinas porque é muito pesado. Aqui em casa. O Rei esteve ontem aqui em casa e eu chorei muito. Se você quiser saber quem eu sou posso lhe dizer: entre no meu carro, na estrada de Santos você vai me conhecer.
Talvez alguns caras no Brasil tenham querido me aniquilar; talvez tudo tenha acontecido por acaso. Mas eu agora quero dizer aquele abraço a quem quer que tenha querido me aniquilar porque o conseguiu. Gilberto Gil e eu enviamos de Londres aquele abraço para esses caras. Não muito merecido porque agora sabemos que não era tão difícil assim nos aniquilar. Mas virão outros. Nós estamos mortos.
Ele está mais vivo do que nós."
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário