Um vinil de minha coleção que eu tenho um carinho especial é Revolver, de Walter Franco. O meu exemplar é da versão original, de 1975 (o disco chegou a ser relançado em vinil lá pelos anos 80). A edição original traz um encarte mais completo e palavras escritas em braile na capa. Também tenho a versão em CD. Revolver é um disco inspirado, experimental e ousado, nadando contra a corrente do sucesso comercial, e se transformando em uma obra-prima.
Numa matéria sobre Walter e o disco, que ainda nem havia sido lançado, publicado na revista Rock, A História e a Glória e escrita por José Miguel Wisnik, o trabalho gráfico é assim descrito: "Na capa de Revolver, Walter Franco vem só, atravessando a rua. As luzes deixaram São Paulo meio esverdeada no escuro. As mãos no bolso do paletó branco, tênis branco, ele vem atravessando a rua, parecendo John. Mas ele vem de frente, e a fila indiana de Abbey Road pode estar vindo, pode ser todo mundo, quem quiser. ('Pode/pode ser/pode ser não/pode ser não é).
Revolvendo tudo o que aprendeu, os Beatles, João Gilberto, o partido alto ('Partir do Alto' é o nome de uma das músicas), fazendo triângulos com música. A foto da capa ficou numa posição oblíqua, formando pirâmides de todos os lados. Tem também alguns sinais em braile: 'O que está escrito no centro da capa é pra fazer sorrir um cego, ou fazer sorrir qualquer pessoa que enxerga, na ponta do dedo, no toque frágil'. Pra ouvir com o olho, com o tato."
Na mesma matéria Walter declarava: "Pra mim a música tem que ser polarizada para uma definição em termos de vida, mais com a vida do que com a música em si. Um exercício de harmonia, de prazer, de passar um prazer para o outro, e manter o equilíbrio. Pingue-pongue. Se você sorrir para mim com o seu olho eu posso sorrir pra você com o meu olho. Eu me preocupo em usar o som como uma transação de cura, onde todos precisam ser curados."
Quando o disco foi lançado, um outro número da revista trouxe uma resenha da jornalista Ana Maria Bahiana, na sessão Guia do Disco: "Tem gente logo se sentindo ameaçada, pensando em arma e coisas tais. Já outros lembram do disco dos Beatles, aquele que tinha Eleanor Rigby e Yellow Submarine. Os Beatles tem mais a ver. Como na capa de Abbey Road, Walter vem andando pela rua, de frente e de banda, mostrando a cara, vestido de branco, convidando à valsa. E, como os Beatles, ele vem remexendo o baú sonoro, revolvendo, revirando. Em termos de Walter, é um passo atrás de seu primeiro LP, o da capa branca, mosca e não. Mas como ensinam os chineses, podem valer dois passos à frente: Walter está pegando o pulso da rapaziada, acertando o passo com o rock e a eletricidade, ensinando, quase, paciente e bruxo, o que fazer com um estúdio, com as fitas, as guitarras, os sintetizadores. Tenho certeza absoluta de que a garotada vai adorar. E aí o Walter vai poder prosseguir, muito sereno, pelas galáxias em espiral (ou em triângulo?) que ele tem dentro da cabeça."
Muito bom o texto.
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