Palavras Domesticadas

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sábado, 30 de janeiro de 2010

O Incrível Thelonius Monk


Monk tocava com devoção absoluta, numa concentração total, submerso na música. Tocava com os dedos retos, boca semi-aberta ou fechada, com as bochechas chupadas para dentro. Balançava a perna direita batendo ou deslizando o pé e parecia divertir-se mais que qualquer músico, embora compenetrado e sem sorrir. Aproveitava cada acorde, dava a impressão de estar descobrindo cada passagem que executava. No meio de uma frase conseguia tirar o lenço do bolso, usando a mão esquerda para o que vinha sendo tocado com a direita, enxugava o suor e continuava. Nada o perturbava.
Sua mão esquerda derivava francamente do estilo “stride piano”, o mesmo que Duke Ellington e Fats Waller, nada de acordes blocados e fechados como um cacho. Duas ou três notas bastavam. Com a mão direita fazia frequentes arprejos com apenas três dedos, desprezando o anular e o mindinho, numa anti-técnica pianística em favor da expressividade percussiva. Às vezes atacava o teclado com o cotovelo direito, atingindo várias teclas de uma só vez. Saía tudo perfeito, sem uma nota a mais ou a menos.
Nos solos, estudava o teclado de cima, como quem olha um campo de pouso sem saber onde vai aterrissar. Pousava com ambas as mãos abertas para atacar um acorde quebrado e esquisito, que nem ele mesmo parecia saber como soaria. Soava no mesmo tempo desconforme e certeiro, puro zen, na medida justa para aquela aparente trapalhada de sons. Com a mão direita, às vezes martelava sem parar as mesmas notas junto com uma progressão harmônica na mão esquerda que não combinaria com tal repetição. Naquele instante só ele parecia ver sentido nisso, A plateia iria entender depois. Aí veria que tudo aquilo tinha uma lógica de matemática pura. Quem recebia e decifrava as mensagens do canonizado Thelonius Monk, subia aos céus de emoção. Nunca mais esquecia.

Do livro Música na Veias, de Zuza Homem de Melo

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