Palavras Domesticadas

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domingo, 4 de fevereiro de 2018

Aldir Blanc - Entrevista Revista Música Brasileira (1996)

Em dezembro de 1996, no apagar das luzes do ano em que Aldir Blanc completou 50 anos, saía o primeiro número de uma revista  chamada Música Brasileira. Nada mais apropriado para se iniciar a publicação de uma revista que fala de nossa música do que trazer na capa a figura de Aldir. Nessa edição de estreia da revista Aldir deu uma entrevista em que fala de vários assuntos, como parceiros, as homenagens pelos seus 50 anos, completados em setembro daquele ano, e tantas outras coisas do universo desse grande mestre de nossas letras escritas e cantadas. Segue abaixo a entrevista:
"MB- O disco Aldir - 50 Anos é um inventário?
Aldir - Pode-se dizer que sim. Foi uma maneira que encontramos de juntar um enorme material que estava por aí, disperso, ao qual juntei a música 50 Anos, feita em parceria com Cristóvão Bastos e que foi divinamente gravada pelo Paulinho da Viola.
MB - Esse inventário acusa mais ou menos quantas músicas gravadas?
Aldir - Mais ou menos 400 músicas gravadas.
MB - E inéditas?
Aldir - Mais de 100, tranquilamente. Só com o Guinga, são mais de 50. Com o Moacyr Luz, outra quantidade enorme. E tem até coisas feitas com o João Bosco e com outros parceiros que ficaram por aí. Algumas, inclusive, como é o caso de Mar de Rosas, sobre a obra do Guimarães Rosa, parceria com o Guinga, são incompreensíveis que permaneçam inéditas.
MB - De Sílvio Silva Júnior a Moacyr Luz, passando por João Bosco, Edu Lobo, Maurício Tapajós, Guinga... são quantos parceiros?
Aldir - Muitos, inúmeros. Tem muita coisa com muita gente.
MB - Em termos de quantidade, a produção maior continua sendo aquela com o João Bosco?
Aldir - Hoje, acredito que o número de parcerias com o Moacyr Luz e com o Guinga, contando as inéditas e as gravadas, já superem a produção com o João.
MB - Você é um sujeito reconhecidamente avesso a badalações. Agora, por conta dos 50 anos, está envolvido com disco novo, livro novo, festas, homenagens, um festival de pedidos de entrevistas, matérias em jornais todos os dias. Como você se sente, diante de tanto agito: feliz e orgulhoso ou tímido e desajeitado?
Aldir - Algumas matérias me sensibilizaram quase à loucura. Algumas coisas publicadas recentemente me comoveram bastante. O desenho do Lan na capa da Revista de Domingo, por exemplo, onde apareço com a camisa do Vasco, foi do cacete. Devo reconhecer que têm vários textos que saem que eu sequer chego perto, mas algumas coisas me tocam profundamente. Ouvir Paulinho da Viola cantando 50 Anos, com aquele arranjo fabuloso do Cristóvão Bastos, que vai além de tudo o que sonhei para a música, realmente me derruba. Também sonhei com uma interpretação moleque para Mastruço e Catuaba, a ser feita pelo trio Nei Lopes, Wilson Moreira e Walter Alfaiate. Aí eles foram lá e fizeram melhor do que imaginei. Essas coisas realmente emocionam.
Capa da Revista de Domingo, desenho de Lan
MB - E o cantor Aldir Blanc, como é que fica? No disco Ruas e Risos, feito na década de 80 com o Maurício Tapajós, você canta algumas músicas. Agora volta à carga neste álbum, soltando a voz em algumas faixas. Você aprova o cantor?
Aldir - O cantor, sinceramente, é uma bosta. Embora eu ache que o cantor se saiu bem na primeira parte do Negão  e em Retrato Cantado. O que acontece é o seguinte: eu tenho dificuldades com essas coisas de ir ao estúdio de ter que botar a voz... sou um cara profundamente grilado. Basta o sujeito olhar pra mim lá de dentro o dizer 'vamos fazer de novo' que já me dá um pânico terrível, 'errei tudo', essas coisas. Realmente, não é uma coisa que eu faça com tranquilidade e, para ser sincero, nem com prazer.
MB - Mas já ouvimos vários elogios ao Aldir cantor nesse disco.
Aldir - Por incrível que pareça, eu também. É que algumas coisas era mesmo preciso fazer. Era preciso que eu cantasse Maia Lacerda, que eu cantasse Negão nas Parada, que eu não estava conseguindo passar para outras pessoas. Eu tinha que cantar. A música com o Márcio Proença, Retrato Cantado, da qual o nosso amigo Paulo Emílio gostava muito, eu tinha que cantar. A música do Salgueiro (Lua Sobre Sangue), eu queria cantar e assim foi.
MB - Em épocas passadas, você foi um grande boêmio, presença obrigatória em certos bares, certas  rodas etílicas, em volta de uma honesta roda de sinuca. De um tempo pra cá, parou com isso. Sumiu da noite. Mudou o Rio de Janeiro ou mudou o Aldir?
Aldir -  Os dois. Mas, principalmente, o Aldir. Eu tive sérios problemas hepáticos, houve um momento que eu tinha que escolher entre beber ou ficar vivo - pelo menos beber naquelas quantidades diárias. Para piorar, em 1991 dá-se uma grande transformação em minha vida: sofro um acidente grave e tenho que ficar recolhido, de muletas e bengalas. A decepção com  a recuperação demorada, que deixou minha perna dura, me deu uma grande tristeza que foi compensada imediatamente com o nascimento do primeiro neto, e que agora já são quatro. Naquele momento, senti que a vida mudava. Não há barato igual a ser avô. E como eu tive avós importantíssimos em minha vida, talvez esteja agora repetindo o Vô Aguiar e a Vó Noêmia, hoje me sinto extremamente feliz de levantar um neto para mostrar o canário, de brincar no chão. Com certeza, é a hora em que sou mais feliz em minha vida, quando estou brincando com eles.
MB - Aldir é sempre sinônimo de Tijuca, Muda, Vila Isabel. Já pensou em morar na Zona Sul, pelo menos para ver como é que é? Trata-se de uma opção ou faltou oportunidade?
Aldir - Oportunidades pintaram, várias, mas jamais me interessei por elas. Eu gosto daqui, eu quis ficar, e vou ficando. O que não me impede de sonhar com uma casa na beira da praia, qualquer praia, em quaquer verão. Mas eu adoro essa área, sou profundamente tijucano. Mas essa moeda sempre tem dois lados: é uma bênção e uma maldição.
MB - E o Aldir escritor, o cronista que já está no quinto livro e mantém colunas semanais em dois jornais de grande circulação, como é que divide o tempo e a inspiração com o compositor?
Aldir - Produzindo, cumprindo os prazos. Não me permito justificativa alguma com relação ao prazo de entrega das matérias. Na minha formação as pessoas importantes, meus ídolos (Antonio Maria, Ary Barroso, Stanislaw, Haroldo Barbosa) tinham vidas onde as atividades de compositor corriam junto com o trabalho de cronista, jornalista etc. Desde muito cedo, era isso o que eu queria ser: escritor e compositor. E ainda acalentava sonhos absurdos, do tipo 'vou ser cronista, letrista, baterista e vou tocar contrabaixo'. Baterista ainda cheguei a tocar, mas o o sonho do contrabaixo foi pro espaço. Também já ataquei de cronista esportivo, uma certa época na Tribuna da Imprensa.
MB- Na canção-título do disco, você diz: 'Aos 50 anos/ Insisto na juventude'. É pra valer?
Aldir - Pode ter certeza."


2 comentários:

  1. Meu letrista favorito(em companhia de João Bosco e cantado pela Elis Regina).

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  2. Aldir é um gênio das letras. Seja como letrista ou cronista. Aliás, muitas de suas letras são verdadeiras crônicas da vida urbana e seus personagens

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