Palavras Domesticadas

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domingo, 19 de março de 2017

João Donato Lança Songbook - Jornal do Brasil (1997)

João Donato é um dos músicos mais importantes e respeitados do país. Compositor e arranjador dos mais versáteis, sua obra é bastante extensa e rica. Por isso não poderia ficar de fora do projeto dos songbooks criado pelo produtor Almir Chediak na década de 90. Por ter iniciado sua carreira ainda na época da Bossa Nova, e depois ter feito carreira nos Estados Unidos, onde tocou com diversos músicos de peso, sua obra autoral é bastante extensa. Ao retornar ao Brasil, no início dos anos 70, Donato passou a compor com Gil, Caetano, PauloCésar Pinheiro, Marcos Valle e outros nomes importantes da música brasileira. A extensão de sua obra exigiu a gravação de 3 cds, reunindo nomes como Ivan Lins, Chico Buarque, Caetano Veloso, João Nogueira, Gilberto Gil, Marcos Valle, Rita Lee, e muitos outros.
O Jornal do Brasil de 06/07/97 trazia uma matéria sobre o lançamento, assinada por Tárik de Souza, e intitulada "João Donato, operação resgate":
"...e a fossa quase casou com a bossa. Poderia ter sido o casamento de transição do samba canção de fossa com a bossa nova modernista, crivada de suingue. 'Namorei Dolores Duran mas na hora de casar minha família não deixou porque ela era quatro anos mais velha e cantora de boate', rebobina o pianista e compositor João Donato. Na época, esse precursor da bossa que frequentou ao mesmo tempo os fã-clubes de Dick Farney (com Frank Sinatra) e Lúcio Alves (com Dick Haymes) desdenhava das canções, só pensava em assinar temas instrumentais, como os jazzistas . 'Acho que foi isso que atrasou minha careira, me deixou no limbo', lamenta o pianista que começou no acordeon, mas também teve uma passagem cintilante pelo trombone.
Demitido em março da gravadora EMI, onde lançou o último disco, ele atravessa uma fase financeira dura e joga toda a sua fé na série onde três songbooks (e mais um livro reunindo 60 músicas) que a Lumiar, de Almir Chediak, está produzindo com sua obra para lançar em outubro. 'É minha oportunidade de voltar a subir no ranking', brinca, lembrando o salto fulminante do tenista Gustavo Kuerten. Das gravações, iniciadas há dois anos e agora transformadas em operação resgate, participam os maiores ases da MPB.
O adjetivo gênio há muito tempo aureola João Donato acompanhado de outra qualificação, a de maldito. 'A nossa turma, o Johnny Alf, o João Gilberto, o Tom Jobim, achavam muito chato aquela música brasileira anterior, aquele negócio de tornei-me um ébrio, virei um molambo, nós queríamos mudar', lembra ele. Os primeiros tempos foram muito mais duros que agora, quando suas músicas estão espalhadas por discos de astros como Gal Costa, Gilberto Gil, Nana Caymmi, Caetano Veloso e Adriana Calcanhoto.
Ainda na década de 50, o duo formado por ele (piano) e João Gilberto (violão e vocal) foi contratado por um hotel de São Lourenço para uma temporada de uma semana. 'Depois do primeiro show, o dono nos chamou e disse que a gente não precisava se preocupar. Pagava todo o combinado desde que o show fosse suspenso. E aí ficamos lá uma semana, por conta do hotel, tomando água mineral e tendo piriri por causa daquela mistura de fontes sulfurosa, alcalina, etc', diverte-se.
Mesmo na diversidade de ofertas das mais de 30 boates (na época apelidadas inferninhos) da Copacabana pré-bossa, o pianista Donato não conseguia dar canja. 'Achavam meu estilo muito complicado, diferente de tudo, ninguém entendia', reclama. Um convite do violonista Nanai para passar quatro semanas se apresentando num cassino em Lake Tahoe, em 1959, foram emendados depois com 12 anos nos Estados Unidos, onde seu talento finalmente foi reconhecido. 'Escreveram na contracapa de meu disco com  o saxofonista Bud Shank (Bud Shank and his brazilian friends) que eu era o Cole Porter brasileiro. Tomei um susto', ri.
De volta ao Brasil, o cantor Agostinho dos Santos cobrou-lhe músicas com letras para que pudesse gravar alguma coisa sua. 'E eu namorei a Dolores Duran e nunca pensei em pedir a ela que letrasse algumas das minhas composições', lamenta. Compara-se a Johnny Mandel, famoso depois que acertou algumas baladas e diz que fazia pouco da canção. 'Meu negócio era o piano trio', prega este discípulo do erudito Debussy e do jazzista Stan Kenton que gravou clássicos do ramo instrumental como o disco Muito à Vontade.
'O Tom Jobim ficou famoso como compositor, o João Gilberto como cantor e eu como pianista', discrimina ele, que começou a mudar essa imagem no disco Quem É Quem, em 1973, onde contou com parcerias de Paulo César Pinheiro, João Carlos Pádua, Geraldo Carneiro, Lisias Enio e Marcos Valle. No songbook, eles se juntam à pioneira Minha Saudade (na voz de Gilberto Gil), letrada por ninguém menos que João Gilberto (escalado para cantar A Paz).
E há mais: Chico Buarque em Brisa do Mar, Luiz Melodia em Coisas Distantes, Gal Costa em Simples Carinho, Daniela Mercury e Guinga em A Rã, Caetano Veloso em O Fundo e Emilinha Borba na inédita Os Caminhos (com Abel Silva). 'João ficou muito emocionado com esta participação. Ele é fã da Emilinha', entrega o produtor Almir Chediak. Mais uma prova de que os biscoitos finos podem conviver com cantores de massa."

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