Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 9 de maio de 2016

Gilberto Gil Grava nos Estados Unidos (1978) - 1ª Parte

"Em 1978 Gilberto Gil assinaria um contrato com a Sérgio Mendes Produções Artísticas, de propriedade do músico brasileiro, radicado nos Estados Unidos. Esse contrato incluía a gravação do disco "Nathingale" e a realização de shows no território americano. Em sua edição de 21/10/78, o jornal O Globo fez uma matéria sobre esse projeto internacional de Gil, assinada por Paulo Macedo:
"Tudo começou quando a WEA (Warner, Elektra, Atlantic) contratou dois grandes trunfos da Phonogram, Gilberto Gil e o escalafobético Raul Seixas, e se preparava para lançar a Banda Black Rio. Uma recepção foi preparada para os três no Hotel Nacional, coincidindo com o primeiro aniversário de instalação da Warner no Brasil. As propostas dessa festa não foram bem definidas para os convidados, mas há quem garanta que ali estavam duas opções de internacionalização de artistas. A mais viável era a Banda Black Rio, por ser instrumental e ter o pique de fundir ritmos brasileiros ao funk & soul americano, principais responsáveis pela aglutinação de centenas de milhares de jovens blacks em clubes do subúrbio carioca.
No entanto, em pouco tempo a WEA mudava de opinião: 'Tinha que ser Gilberto Gil!'. E o Festival de Jazz de Montreux, em julho, parece ter confirmado os prognósticos - Gil se mostrou para uma plateia internacional, um artista capaz de se expressar em várias linguagens - todas brasileiras - sem precisar diluí-las; uma personalidade forte, carismática e de orientação popular.
Gil tem consciência de suas possibilidades. Simples, não sonha com o estrelato maior, apenas segue o seu caminho. Uma viagem não o atrapalharia:
- Se ficasse no Brasil iria dar um tempo em minhas atividades, porque houve um desgaste muito grande de imagem num tempo mínimo, três anos aproximadamente: 'Refazenda' (disco e show em todo o Brasil), 'Doces Bárbaros' (show, disco e filme), 'Refestança' (show e disco com Rita Lee) e 'Refavela" (show e disco), além de ter participado do Festival de Arte Negra da Nigéria em 76.
Nesse festival, Gil conheceu Stevie Wonder, que se entusiasmou com seu trabalho e mostrou interesse em fazer versões para o inglês de suas músicas. Isso hoje é um fato, pois Stevie está preparando alguns arranjos para o primeiro disco americano de Gil e uma versão de 'O Rouxinol'. O LP está sendo gravado num moderno estúdio particular em San Fernando, Los Angeles, sob a produção de Sérgio Mendes, e com a colaboração do letrista Jim Lee. As bases estão prontas e contaram com apenas um músico brasileiro, o baixista Rubão Sabino. Além dele, participaram das gravações um baterista peruano e alguns músicos americanos de estúdio. Para esse LP, Gil compôs especialmente o 'Samba de Los Angeles', que atende aos interesses do mercado.
- Cantar em inglês, usar músicos americanos, a atmosfera da gravação, são fatores de atenção ao mercado. Além disso, existe de minha parte uma postura de busca, encontro, equilíbrio, de aproximação de distâncias que há entre o que se faz no Brasil e na música americana. Não sei bem. É muito difícil falar sobre isso, porque de repente alguém diz: 'então você vai fazer o que, em vez de cantar samba vai cantar blues em vez de baião, rock?' E não é isso A intenção é uma fusão em caráter muito genérico, em que você não pode determinar que elementos serão transpostos, o que é americano na linguagem brasileira, o que é nosso na língua americana.
-Em alguma ocasião em sua carreira você demonstrou interesse de 'internacionalizar' o seu som?
- Antes de tudo, do Tropicalismo, na fase de aquisição de sonhos, quando tive contato com os Beatles, Jimi Hendrix, pensei na possibilidade de um dia poder fazer alguma coisa fora do Brasil. O fato de ter saído do Brasil a contragosto, de ter que ir pra Londres praticamente obrigado, fez desaparecer a vontade anterior de fazer alguma coisa no exterior. De forma que este estado de espírito permaneceu quase o tempo todo quando estive fora, e eu não quis construir uma carreira fora do Brasil, naquela época. Hoje já não tenho o desencanto de estar fora, mas ao mesmo tempo não tenho o encanto daquela fase de sonhos. Estou partindo para isso na base do impulso natural, uma consequência. E acredito que serei aceito pelo menos por uma determinada faixa do mercado americano.
- O primeiro passo para essa carreira internacional foi o Festival Internacional de Montreux?
- Sim e não ao mesmo tempo. Foi um convite feito pelo organizador do festival, Claude Nobbs, à minha gravadora. Aceitei porque não tinha motivos pra rejeitar, e era uma hora excelente de testar o mercado europeu, e um público específico estaria no festival.
- Sua apresentação em Montreux foi gravada, e o resultado está num álbum duplo que a WEA acaba de colocar à venda no mercado brasileiro. Esse disco americano, já que você vai regravar muita coisa, poderá sair no Brasil normalmente?
- Eu gostaria muito que ele saísse aqui, mas existem dúvidas a respeito, problemas de repertório pendentes na gravadora. Isso porque o material gravado na Phonogram não foi comprado pela Warner, e há um prazo para essas músicas serem relançadas no Brasil. Vou batalhar, mas já estou prevenido para a possibilidade de não sair.
- Logo após o lançamento de 'Refavela' você disse que seu próximo disco se chamaria 'Rejúbilo'. Esse LP dos Estados Unidos seria a conclusão da série 'Re'?
- Não, acho que não. Aliás, não tenho nem condições de tentar e não seria permitida a irresponsabilidade de tentar mais um 'Re'. O 'Re' iria agora retardar demais o processo, em outras palavras, seria luxo demais uma nova tentativa por causa do universo nomenclatural que seria atravancado, e a reciclagem exige que o 'Re' desapareça de uma certa forma. Ou, sei lá, talvez dê ainda, mais tarde, pra fazer novas tentativas, quando eu tiver de novo tempo ao meu dispor, tempo artístico. Desprezando qualquer injunção de qualquer ordem, talvez eu possa fazer  um 'Rejúbilo', ou 'Realce', ou qualquer coisa, ou 'Reu' "

(continua)

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