Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 2 de julho de 2015

Bezerra da Silva sem Caô

A seção Rio Fanzine, que vinha publicada em O Globo, em sua edição de 15/05/88 trazia uma matéria com o sambista Bezerra da Silva. A matéria falava do LP que Bezerra estava lançando, e tinha por título "Olha o Bezerra aí, gente!":
"Bezerra da Silva está lançando seu novo elepê, 'Violência gera Violência', e num depoimento exclusivo para o Rio Fanzine, soltou o verbo sobre pagodes e outros templos. 'Sou analfabeto, mas não assino atestado de burro'. Natural de Recife, chegou ao Rio com 15 anos. Trabalhava na obra e lá ouvia o som que faz hoje, que misturou um pouco com o coco nordestino. Ele não vem com papo de 'caô caô', não diz mentira. Fala a 'língua do congo', da verdade. Então, fala aí, Bezerra!
'A transação com o RPM foi feita de gravadora para gravadora. Depois o Paulo Ricardo foi lá em casa, me perguntando se eu queria cantar no disco dele. Eu falei que não sabia cantar aquilo (rock). Mas ele queria um negócio de samba, partido alto. Eu disse tudo bem. Eu não vejo esse negócio de rock, tango. Eu vejo música. Dó, ré, mi, fá, sol, lá, si. Eu sou músico. Estudei violão clássico e agora estou estudando piano. O Paulo (Ricardo) explicou que me chamou para participar do disco porque eu canto igual a eles. Falamos as mesmas coisas com palavras diferentes. A nota do rock é a mesma que eu toco no samba'.

'Quando tem reunião lá em casa fica tão escuro que eu tenho que usar luz de mercúrio pra enxergar a negada.'

'Pagode não existe. Pagodeiro é tua avó, é a tua família. Eu brigo e provo que não sou pagodeiro. Só existe o pagode como rótulo mercadológico para vender disco. Como música é uma mentira. Isso é mentira. Eu provo no Instituto Nacional de Música, com o curso que fiz. Pagode é reunião de escravo na senzala. Pagode não é música. É até pejorativo, pra esculachar a gente. Isso não é gênero de nada. Você pode chegar no Instituto e ver que não tem registrado esse gênero. Por que que pagode é coisa só de crioulo? O gênero que a gente leva chama-se partido alto. É samba. Quando eu cheguei aqui em 1945 isso tudo já existia e ninguém chamava de pagode. Nem sou pioneiro ou 'rei do pagode', porque a rapaziada do morro já faz isso há muito tempo. Eu sou 'rei da averiguação'. Tenho 21 entradas na cana.'

'Desde 1978 que eu trabalho com o mesmo pessoal. Produtor, músicos, coristas, As Gatas, o Conjunto Nosso Samba. Não muda nada. Em time que está ganhando não se mexe. Continuo pesquisando os compositores do morro. Tem muita gente boa, principalmente compositores, que ainda não tiveram a oportunidade de chegar a mim. O que tem de gente boa não é brincadeira. Como eu tô muito ocupado agora, fazendo shows de lançamento do disco, viajando pra lá e pra cá, estou tendo menos contato com eles. Antes, todo domingo eu pegava o gravador e escalava os morros. Passava o dia todo bebendo cachaça com  a rapaziada e ouvindo os sambas. Sou favelado e tenho acesso a todos os morros da cidade. Não tem barra pesada. Onde é a leve aqui no Rio? Em cima do morro é o lugar mais seguro, ninguém te faz nada. Agora, aqui em baixo...'

'Crioulo esclarecido não tem carro. Se eu botar quatro crioulos dentro do carro é o bicho. Moro na Voluntários da Pátria, em Botafogo, e se eu viesse aqui na RCA falar com a Marina de carro, sairia de casa dez horas da manhã e só chegaria em Copacabana às  quatro da tarde de tanto parar pra mostrar documentos pros guardas.' "

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