Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Egberto Direto da Horta


Em 1984 a revista Manchete trazia uma matéria com o grande músico Egberto Gismonti, que estava lançando na ocasião, seu disco Coração da Cidade. Abaixo alguns trechos dessa matéria:
"Egberto Gismonti está indo à horta. 'Eu tô agora só com gente-horta, tudo fresquinho, umidinho de sereno da manhã, é só passar a mão e comer, não tem nem de lavar por causa de inseticida. É puxar e mastigar. E isso está me dando uma energia muito grande, ouvir gente nova como essa que eu ando curtindo, aproveitando, ajudando. O brasileiro é um povo que está transbordando música.! Sabe, cavalo de raça preso? É isso aí! Tô vendo de perto. E me lembrando que não faz muito tempo eu também era horta, tantos anos depois de Tom e apesar de estar envolvido agora com tantas turnês mundiais. Mas sempre tenho um tempo. Ihhh, cê num pode imaginar como é bom! Ao mesmo tempo que estar envolvido agora com computadores, cítaras, violões, pianos, contrato pra tudo quanto é lado, ainda poder sentir cheirinho de seis e meia, sete horas da manhã, terra escura, boa, sacumé? Fica tudo uma coisa fácil demais, simples pra burro. Claro que há - ou deve haver - um componente psicológico nisso tudo, do fato de eu ter sido tirado da horta um dia e agora estar tirando outros dela, mas o que eu tenho tido de volta, de aprendizado! E o que acontece de mais gostoso é que, como tive muito mais prazeres do que decepções nesses anos todos de trabalho na música, a minha memória é muito viva quanto ao meu chegar ao Rio-cidade, vindo do Rio-estado, atravessar o túnel da Avenida Princesa Isabel, que desemboca em Copacabana e achar que estava na Grécia antiga, de tão grande, tudo. Eu nunca tinha visto um troço daquele tamanhão! Aquele marzão todo, ali, cê tá louco! Forte demais pra mim, dentro de um ônibus, abraçando meu violão. É muito bom que isso esteja presente e recente e que agora eu esteja podendo transar diretamente com esse tipo de coisa, ligando memória com realidade, redescobrindo o cheiro da terra.

Tudo muito presente, nos sentidos todos. Sem nunca neguinho ter chegado pra mim com a conversa de que dali pra diante era só enlatado. Sabe que ninguém, nunca, me forçou enlatados? Aliás, felizmente, porque se tivessem forçado, que sabe eu tivesse até engolido?'
Assim está Egberto Gismonti. Já em plena excursão nacional de lançamento de mais um elepê, que era pra ser chamado Bandeiras do Brasil, mas a censura não gostou. Virou Coração da Cidade.
Bandeira brabíssima seria - segundo ele - ter assinado contrato com a Atlantic Records, em 1975, quando morou nos Estados Unidos, e pretendiam transformá-lo num 'novo Sérgio Mendes'.

'Era uma pancada de dinheiro desgraçada, produções do Billy Coburn, na época com uma aura bacana, eu provavelmente fazendo até hoje uma coisa da qual diria ser 'meu música internéchional'. Rico, rico como o diabo. Mas felizmente resolvi que vou enriquecer de outra maneira: mostrando legumes frescos da horta. Porque a gente pode enriquecer de vérios jeitos, até com dinheiro. Até com dinheiro, né? A proporção dessa riqueza, meu amigo, é que é discutível. Porque o fato de imaginar e poder realizar projetos audaciosos, com gente nova, de eu poder subir a um palco de Saporo, no Japão, de Nagipur, na Índia, de Buenos Aires, na Argentina, de Quebec, no Canadá, ou de Macaé, no Estado do Rio, é uma riqueza muito grande'"

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