quinta-feira, 3 de junho de 2010
Djavan e Aldir Blanc - Uma parceria breve, mas genial
Djavan é um compositor de poucos parceiros. Ao longo de sua carreira fez poucas parcerias, mas com nomes de peso, como Chico Buarque, Caetano e o letrista Cacaso, por exemplo. Dentre essas raras parcerias, umas das mais felizes foi com o letrista Aldir Blanc, com quem compôs três músicas: Tem Boi na Linha e Aquele Um, do disco Alumbramento, de 1980 e Êxtase, de Seduzir, do ano seguinte.
Não sei como aconteceu essa parceria, mas acredito que os dois devem ter tido um breve encontro naquele período, e acabaram produzindo três pérolas musicais. Aldir fez três letras carregadas de um fino humor, exemplos do Aldir cronista, que cria histórias e personagens.
Em Tem Boi na Linha Aldir traz como tema uma viagem de trem pelos subúrbios do Rio, e todos os apertos e o desconforto que os passageiros desse tipo de transporte são obrigados a enfrentar em seu dia-a-dia. Vários desses bairros-estações são citados ao longo da letra:
Café com pão no Vera Cruz/Jejum limão em Japeri/A bolsa e a vida dançam nesse trem/Te cuida/Sacola, cabaça, futuro, tutu, cabaço/Tem boi na linha, seu Honório Gurgel(...)Cascudo, pedrada, cuspida, pisada/Vai pra Anchieta, seu Vigário Geral/ Engavetou, descarrilou/ Descarrilhei, quebrei também (...)
Aquele Um fala de uma entidade espiritual diferente que baixa numa mesa de bar. A expressão "aquele um" é usada pelos adeptos das religiões afro para designar um santo que baixa. A letra é muito bem construída, e a melodia composta por Djavan casa perfeitamente com a letra. É uma de minhas músicas preferidas de Djavan:
Baixou/Num centro de mesa de um bar/Um santo estranho/Cheirou, fumou, não cuspiu/Sei lá/E tocou piano/Falou que era "aquele um" das quebradas/O santo de cama das mal-amadas/Alguém do centro perguntou o seu ponto/Aí o santo lhe respondeu/Meu ponto é qualquer um/Com bicheiro e táxi.
A terceira e última parceria Djavan/Aldir é Êxtase, outra pérola. Aldir fala de uma forma bem-humorada de um desentendimento amoroso, usando como metáfora citações bíblicas e santos da igreja, sem cair, entretanto em desrespeito ou algo assim:
Eu devia ter sentido o teu rancor/Mas tava doido num jogo do Vasco/Eu fiquei cego na estrada de Damasco/E armei num botequim, virei a mesa/Tava em êxtase que nem Santa Teresa (...)
Curiosamente, Djavan, como bom flamenguista, em um especial para a tv uma vez mudou a letra para "tava doido num jogo do Mengo/Eu fiquei cego na estrada em Realengo". Porém essa adaptação retirou uma citação de uma passagem da Bíblia, intenção de Aldir, em que Lázaro fica momentaneamente cego enquanto caminhava pela estrada em direção a Damasco.
Outro trecho da letra:
Eu devia ter partido a tua cara/Mas eu era um São Sebastião flechado/Mais um seu Zé Mané ungido e mal pago/Escada pro céu na rua da passagem/Aura marginal do morto na garagem/Barrabás, querubim, pinel/Eu, xará, um bárbaro arataca saqueando Roma/Eu, xará, um bêbado babaca em estado de coma/Eu, xará, o cordeiro de Deus, o bode expiatório/A testemunha ocular que não tem nada a ver/O condenado que não tem nada a perder/O mordomo na chanchada de suspense/O presunto na Baixada Fluminense.
Com base nessas três músicas, posso afirmar que se Djavan fosse um parceiro mais constante de Adir, como são, por exemplo, João Bosco, Guinga ou Moacyr Luz, essa parceria seria uma das mais férteis e promisoras da MPB.
Essas e muitas outras de Djavan serão tocadas na Noite do Vinil amanhã, sexta dia 04 a partir das 21h, no Relicário Bistrô - Av. 28 de Março, 48 - em frente ao Isepan.
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