Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Só Garotos - Patti Smith


No momento estou lendo, e já quase chegando ao fim, o livro Só Garotos, que são memórias da cantora Patti Smith. Trata-se de um livro onde ela narra sua relação com o fotógrafo Robert Mapplethorpe, com quem ela conviveu bem antes de se tornar uma das cantoras e compositoras revelação dos anos 70. Numa apresentação na contracapa, o livro é assim apresentado:
"Antes de se tornar famosa, a poeta e performer Patti Smith dividiu a cama, a comida e o sonho de ser artista com o fotógrafo Robert Mapplethorpe, a quem prometeu escrever este livro, pouco antes que ele morresse".
O título do livro é explicado logo em seu início, nesse trecho:
"Em um dia de veranico vestimos nossas roupas favoritas, eu com minha sandália beatinik e uma velha echarpe, e Robert com suas amadas miçangas e o colete de ovelha. Pegamos o metrô até a West Fourth Street e passamos a tarde na Washington Square (...)
Estávamos andando em direção à fonte, o epicentro da ação, quando um casal mais velho parou e ficou abertamente nos observando. Robert gostava de ser notado, e apertou minha mão com carinho.
'Oh, tire uma foto deles', disse a mulher para o marido distraído, 'acho que são artistas.'
Ora, vamos logo, ele deu de ombros. 'São só garotos.'"
Um trecho do livro me fez lembrar de um fato que também aconteceu comigo uma vez, nos anos 80. O trecho é o seguinte:
"Uma frente fria passara por Nova York em outubro. Fiquei com muita tosse. O aquecimento nem sempre fucionava em nosso espaço. Não era um lugar feito para morar e sentíamos frio à noite. Robert muitas vezes ficava no Davis, e eu pegava todos os nossos cobertores e ficava acordada até bem tarde lendo Luluzinha e ouvindo Bob Dylan. Tive problemas com meus dentes do siso e estava acabada. Meu médico disse que eu estava com anemia e me mandou comer carne vermelha e beber cerveja escura, conselho dado a Baudelaire quando passou um inverno terrível em Bruxelas, doente e solitário.
Eu dispunha de um pouco mais de recursos do que o pobre Baudelaire na época. Vesti um velho casaco xadrez com bolsos grandes e surrupiei dois filés pequenos no Gristede's, pensando em fazê-los na frigideira de ferro fundido da minha avó, fritos no meu fogareiro elétrico. Fiquei surpresa ao encontrar Slim na rua e fizemos nosso primeiro passeio não noturno.Preocupada que a carne pudesse estragar, finalmente admiti que estava com dois pedaços de carne crua no bolso. Ele olhou para mim, tentando apurar se eu dizia a verdade, então enfiou a mão no meu bolso e puxou o bife no meio da Seventh Avenue. Balançou a cabeça fingindo me dar uma bronca e disse: 'Ok, docinho, vamos comer'".

O fato semelhante que aconteceu comigo, e que esse trecho me fez recordar é o seguinte. Uma vez, nos anos 80, numa noite de sábado, encontrei com um amigo, que estava de carro. Havia outras pessoas conosco, e uma dessas pessoas era um cara, que eu não conhecia, e que teve acesso à cozinha de um hotel da cidade. Num momento em que ficou sozinho no recinto, surrupiou um pedaço de carne crua, então saímos pela cidade, na madrugada, procurando um trailer que aceitasse assar aquele pedaço de bife na chapa. Após peregrinarmos por vários trailers da cidade, finalmente encontramos um que aceitasse grelhar nosso bife, que dividimos irmamente.
Também éramos só garotos.

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