Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Raul Seixas - 1976


Raul Seixas é um dos mais marcantes, influentes e carismáticos artistas surgidos no Brasil. "Você tem que deixar sua marca no planeta" disse ele uma vez, e hoje o culto à sua obra prova que sua marca ficou.
Em agosto de 1976 a revista Música trazia uma matéria de capa com Raul, que vivia na época o seu auge criativo, vivendo ainda sua antológica parceria com Paulo Coelho. O texto se iniciava com uma pequena apresentação de Raul e sua obra:
"Raul Seixas é uma figura nebulosa. Para falar dele, e entendê-lo, necessita-se uma visão aberta aos conhecimentos racionais, à Metafísica. Na sua mente misturam-se plantas, velas, frenesis, espíritos, bomba atômica. Uma coisa meio complicada. Mas tudo isso é ele mesmo. É sua vivência, sua cabeça. Suas letras apresentam figuras bíblicas aliadas a mulheres de taberna, Condes Dráculas e Zumbis e soldados de campanha. Em outras, se auto-define como sendo as coisas da vida, o início, o fim e o meio. Aqui ele se expõe. Sem início, meio e fim."
Na época em que a revista saiu, Raul vivia um período de grande sucesso. A faixa-título de seu disco Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás, tocava direto nas rádios, impulsionando as vendagens de seu álbum. O disco, por sinal, era muito bom. Sua parceria com Paulo Coelho representava a melhor fase de seu trabalho. Apesar de hoje, seu antigo parceiro ser considerado um escritor que produz uma literatura de qualidade duvidosa, não se pode negar que como letrista, Paulo Coelho conseguia traduzir em palavras todas as ideias revolucionárias e contestadoras que emergiam da cabeça inquieta de Raul. Abaixo alguns trechos da matéria:
"'Eu sou de 45, o ano em que soltaram a bomba atômica'... é assim que ele se define, fruto de uma época. Seu trabalho, como diz é 'o espírito social de uma época.' Criado em uma família comum, teve uma infância fechada em casa. 'Minha mãe não me deixava sair na rua para não aprender palavrão.' A vasta biblioteca de seu pai foi seu brinquedo preferido , daí veio seu gosto pela palavra e uma miopia precoce. Como muitos garotos dessa geração, logo se interessou por James Dean e sua rebeldia. Elvis Presley veio logo em seguida tomar seu lugar. 'Eu ouvia Elvis o tempo todo'. Um violão comprado pela mãe foi o resultado rápido dessa devoção. Os acordes foram vindo sozinhos, ouvindo os discos e tentando tirar as músicas. 'Pegava fogo dentro de mim'. A música e a literatura misturavam-se, preparando o caminho para sua carreira."

A matéria segue narrando a carreira e a vida de Raul. Em determinado trecho é citada a ida de Raul para os Estados Unidos - um exílio imposto pelo governo da ditadura, pelo seu caráter anarquista que incomodava os militares. O enorme sucesso de Gita, que estourou nas paradas quando ele estava fora, obrigou os militares a trazê-lo de volta, pois não tinham como justificar a ausência do mais popular cantor da ocasião. De volta ao Brasil, Raul alimentou um mito, um suposto encontro com John Lennon e Yoko Ono, que na verdade nunca ocorreu. A matéria assim descreve esse episódio:
"Nos Estados Unidos em Nova York por um ano, conhece John Lennon e Yoko Ono e lança as bases da Sociedade Alternativa, uma proposta de vida, da qual muita gente tentou ser sócio, 'mas não é nada disso, ela está apenas na cabeça de todos nós.' Seus estatutos diziam: 'Faze o que tu queres, tudo é da Lei'."
Na parte final da matéria, Raul declara:
"Faço um embrulho bonito do que eu quero dizer. A música é uma embalagem do que eu sei fazer. Poderia ter sido escritor, mas canalizei no rock.
Eu sei ser simpático quando aperto a mão das pessoas. Isso vem de coração. Elas entendem. É assim que eu faço música, na intenção e na intuição. A ideia básica sai do coração, espontânea. O invólucro, a embalagem é um tempero proposital para as pessoas gostarem."

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