Palavras Domesticadas

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sábado, 22 de outubro de 2011

Drops de Abril - Chacal


Semprei prestei muita atenção a uma geração de poetas que se formou no Brasil na década de 70, e que deu origem a um movimento chamado "poesia marginal". Esses poetas produziam seu material de forma artesanal à revelia de publicação pelas editoras. O mimeógrafo era a forma que utilizavam para reproduzir, vender e distribuir seus textos, que muitas vezes eram apresentados em performances por bares e espaços públicos. Na época foi criado no Rio de Janeiro um grupo chamado Nuvem Cigana, que reunia não só poetas, mas fotógrafos, artistas plásticos e atores, que realizavam mostras, exposições e performances, que muitas vezes percorriam outros estados.
Dentre os poetas que faziam parte da "geração mimeógrafo", como também ficou conhecido o grupo, o de maior destaque foi Chacal. Anos depois, já nos anos 80, seus livros passaram a ser editados e melhor distribuídos. Na época, a editora Brasiliense lançou uma coleção denominada "Cantadas Literárias", que lançou alguns de seus livros, um deles Drops de Abril, lançado em 83, e trazendo vários daqueles textos lançados naquele esquema independente.
Em seu texto de apresentação Chacal diz:
"Esse drops é um voo de reconhecimento na minha gíria de poeta. Anos 70. Nacos de 80. São relatos de minha trip pelo planeta. Onda. Ele podia se chamar 'Sexo, drogas e rock and roll', santíssima trindade da rapaziada nesses redemoinhos urbanos. Ou então, 'Xadrez Chinês', artifícios da palavra no tabuleiro de papel. Mas ficou mesmo 'Drops de Abril', pelo que tem de ácido e mel."
Chacal nasceu em 24 de maio de 1951. "Nasci com o nome de Ricardo de Carvalho Duarte. Chacal só 15 anos depois, por causa de um dente torto. Campeão carioca de vôlei em 65 e bi de futebol de salão 65/66 pelo Fluminense. Tempo de atleta. Em 71, tempo de poeta, escrevi e editei: Muito Prazer, Ricardo. Em 72, Preço da Passagem. De novembro de 72 a dezembro de 73, uma subterrânea estadia em Londres e Lisboa. Em 75, América. Em 77, Quanpérius, edição Nuvem Cigana. Em 79, Olhos Vermelhos, Nariz Aniz, Boca Roxa. Em 77, me formei em Comunicação pela UFRJ."
Drops de Abril traz uma coleção de poemas, às vezes curtos, sintéticos e diretos, sem meias palavras. Como define o poeta ainda em seu texto de apresentação: "A Poesia está no ato, no papo, no rato, no mato. A Poesia está do lado da Vida, olhando para o Norte. A Poesia me deu a sorte de ser Poeta. E para comemorar, dou uma volta no tempo e faço a mesma dedicatória do meu primeiro livro, Muito Prazer, Ricardo. 'Essas são as coisas que eu faço com prazer. Achei que você podia saber e brincar com elas. Taí'".

Abaixo alguns poemas de Drops de Abril:

Rápido e Rasteiro
vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar
aí eu tiro o sapato
e danço o resto da vida.

Deixa pra lá
sabe essas unhas do pé
que a gente tira com a mão
pra ficar brincando? pois é
naquela loucura toda
perdi a que mais gostava

Jogo duro
acho que me falta tato
pra mamar na tua teta
pra te chamar de minha preta
acho que sou o maior pato

Pronto pra outra
gravei seu olhar seu andar
sua voz, seu sorriso
você foi embora
e eu vou na papelaria
comprar uma borracha

Pra você
morro de amores
e mordo diamantes
e dos cacos dos meus dentes sangrando,
faço um cordão pra
enfeitar sua fantasia

Troca troca
minsina a andar de bicicleta
que eu perdi o equilíbrio.
eu tinsino a levantar tapetes
e a construir o caos.

Desabutino
quem quer saber de um poeta na idade do rock
um cara que se cobre de penas e letras lentas
que passa sábado à noite embriagado
chorando que nem criança, a solidão
quem quer saber de namoro na idade do pó
um romance romântico de Cuba
cheio de dúvidas e desvarios
tal a balada de Neil Sedaka
quem quer saber de mim na cidade do arrepio
um poeta sem eira
na beira de um calipso neurótico
um orfeu fudido
sem ficha nem ninguém para ligar
num dos 527 orelhões dessa cidade vazia

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