Palavras Domesticadas

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sábado, 3 de setembro de 2011

Artur da Távola Fala de Elvis - Parte 2


Continuando a crônica de Artur da Távola:
"Quem não se recorda das iras despertadas pelos maneios dos quadris de Elvis? Quem não se recorda da associação permanente de uma espécie de de relação sexual entre ele e a guitarra durante seus espetáculos? Quem hoje pode deixar de analisar a associação orgástica com a explosão do rock, no qual a sensação alucinatória substituía ou representava a ânsia do pleno prazer sensual, fundamental numa sociedade que se reprimira no esforço comum da II Guerra Mundial e que trazia ancestrais tradições moralistas?
Pois Elvis representou no palco e no pasmo uma liberação que anos depois viria revolucionar o comportamento de milhões de pessoas. Só que quando esse 'depois' chegou, veio com tal força que que engoliu o próprio Elvis, como todo 'depois' que chega sempre engole quase todos os 'antes' que não souberam se fazer 'sempres'.
E claro que passada a voracidade com que qualquer 'depois' devora os 'antes' (os precursores, os antevisores, e os simbolizadores), quando se acalmam os radicais de qualquer 'novo', há um retorno aos valores positivos sucumbidos na ânsia das mudanças, nos excessos inevitáveis nas mudanças.
Foi quando Elvis voltou. E voltou com grande força porque aí não era mais o foguete de renovações simbolizadas na irreverência e nos gestos, nem era mais, igualmente, aquele que começou ameaçando estruturas mas tão logo as estruturas perceberam que ali não estava propriamente uma revolução e sim uma evolução natural, elas o envolveram, fazendo um instrumento a serviço delas, em termos ideológicos e mercadológicos.
Passados, portanto, os anos da loucura e passada uma geração (a da década de 70) que levara às últimas consequências as revoluções existenciais (pagando até o mortal preço da entrada dos tóxicos), a visão mais nítida, embora sempre complexa do artista pôde surgir com a música, com sua voz sempre jovem, apenas com sua arte, contando, agora, com a saudade de milhões, com o reconhecimento de outros milhões e com a expressão de uma arte que simbolizava outro tipo de angústia: a da geração de Elvis depois que cresceu, viveu, casou, procriou e enfrentou um mundo muito mais complexo e difícil. Só isso já seria um desafio e um filão artístico incrível a levar as pessoas para a arte do Elvis quarentão inconformado. A gordura dele era a gordura delas (dessas pessoas da sua geração). O cansaço dele era o cansaço delas. As neuras dele (ficar trancado nos quartos) eram neuras delas.
Assim é o artista: na vida e na morte, na beleza e na feiúra, sempre uma antena, captando todos os males e todas as saúdes que estejam passando pelo homem em cada realidade histórica."

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