Palavras Domesticadas

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terça-feira, 21 de abril de 2015

Egberto Gismonti - Música do Astral Para Fazer Dançar a Cabeça - 1ª Parte

Tenho guardada  entre várias antigos recortes que preservo em uma pasta, uma xerox com várias páginas de uma boa matéria com Egberto Gismonti. Não dá para identificar de qual revista eu copiei, mas talvez seja da revista Planeta. A data, eu creio que seja 1981 (já que não há nenhuma referência quanto a isso). O texto, que tem por título "Egberto Gismonti - A Música do Astral Para Fazer Dançar a Cabeça"  foi escrito por Lito Cavalcanti, que aqui reproduzirei em várias partes, devido à extensão da matéria:
"Aos 34 anos, Egberto Gismonti ocupa a cadeira reservada à música no cenário da intelligentsia brasileira. A ele, toda a cultura nacional tributa  a mais profunda reverência. Nos já longos 13 anos e mais de 20 discos - dos quais nove no exterior, seu maior mercado - em que paira sobre a música de vanguarda, Egberto já gravou em 22 países e é hoje detentor de um prêmio Grammy, a versão musical do Oscar.
Se isso já lhe granjeou o respeito internacional, nem sempre, porém, lhe rendeu o entendimento. O disco Dança das Cabeças, gravado com o percussionista Naná Vasconcelos, foi brindado com o Disco do Ano em cinco países nas mais discrepantes categorias. Música pop na Alemanha, brasileira no Brasil, folclórica no Japão, experimental na Inglaterra e jazz nos Estados Unidos.
'Ninguém entendeu nada', dirão os mais afeitos à compartimentação dos rótulos. 'Cada um viu de um lado que a música contém', analisa o autor. 'Cada pessoa vê cada coisa de uma maneira diferente. Cada um vê o que procura', sentencia esse músico de extremos. Egberto Gismonti toca com a Sinfônica de Boston, com Herbie Hancock ou Miles Davis. Mas também se dispõe a caminhar dois quilômetros e pouco de selva amazônica, carregado de violões e quejandos - logo ele, um sedentário contumaz - na ida e na volta para, durante dez dias ininterruptos, sentar-se à entrada principal de uma aldeia indígena no Alto Xingu e tocar até o anoitecer para uma plateia capaz do mais pétreo mutismo. Toda essa maratona para, um dia, ser admitido à Casa Sagrada, uma oca apertada, e ver durante mais de 12 horas o indio Sapaim tirar os menos ortodoxos sons da jacuí, a flauta sagrada nativa.
Popularesco para os eruditos, eruditizado para os populares, Egberto Gismonti não cabe no hermetismo dos chavões. Dono de uma inteligência minuciosa, que arde como a brasa lenta de Sagitário - seu signo - mas procura a profundeza das águas de Escorpião - o ascendente - esse filho da minúscula cidade do Carmo, no Estado do Rio, carrega no peito toda solidão do mundo. Com ela aprendeu a conviver ao chegar ao Rio de Janeiro, mal saído da puberdade. Fazendo uma música que ninguém aceitava e sólido na decisão de não abrir concessões, o meninote ganhou a porta do mundo. E conheceu a aridez de terras estranhas, o deserto de hotéis e aviões. Durante anos, o que mais ouviu foi 'o concerto foi lindo. Espero revê-lo no próximo ano. Até logo.'
Egberto aprendeu a vida pelo lado mais aflitivo. Talvez por isso hoje a pretenda lúdica. 'Só quero me divertir. Acabou a brincadeira, não quero mais.' Uma possível volta à infância tranquila no Carmo, filho de família estável do ramo da boa pinga, tão ligada à sua vida quanto a música, que o atavismo lhe impôs. 'Trabalho só quero ter com o Alexandre', decreta. Fala do filho que tem com Rejane, um marco na vida. Para ele, o início da Era de Aquarius. 'Ela chegou para mim quando nasceu meu filho, a 13 de fevereiro.'
A música está em tudo que o cerca. Sua fala é onomatopaica. O disco Em Família  começou a ser gestado quando o ventre de Rejane começou a ceder ao pequeno corpo em formação. Mas nem por isso Egberto dá à música o superdimensionamento comum aos aos que dela vivem. 'Eu sou muito mais importante que minha música. Eu e qualquer um. A música é parte de uma pessoa e deve ser vista apenas como parte. Esse é um ponto que eu gosto de debater com os críticos. No Brasil, ninguém fala da música especificamente, e sim da pessoa. Eu não concordo com isso em hipótese nenhuma. A música que um cara faz é um troço tão pequeno. Como se pode saber de uma pessoa por meio de uma música que dura só três minutos?' Pergunta indignado.
Uma postura incongruente para quem moureja a maior parte da vida sobre o teclado de pianos ou as cordas de violões. Pode ser. Mas uma vida é pouco para um músico disposto a tentar todas as combinações de sons - nem sempre musicais - do universo. 'Tenho a mais absoluta certeza de que vou fravar muitos discos até morrer', vaticina."
(continua)

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