Palavras Domesticadas

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terça-feira, 13 de abril de 2021

As Aventuras de Raul Seixas no Paraná (Jornal de Música - 1976)


 Em agosto de 1976 Raul Seixas fez uma turnê-relâmpago pelo Paraná, apresentando-se em 10 cidades em 10 dias. Nessa excursão Raul levou para acompanhá-lo três membros da banda Flamboyant: Áureo (bateria), Carlinhos (baixo) e Gabriel O'Meara (guitarra). O guitarrista O'Meara, que também fez parte do lendário Peso, e era jornalista, fez um diário da passagem de Raul pelo Paraná, e  publicou no Jornal de Música nº 22 (setembro/76):

"A turnê deveria ter começado no dia 1º de agosto, mas foi adiada por algumas semanas porque Raul Seixas teve que se hospitalizar: bombardeou os intestinos com muito álcool e acabou ficando com uma inflamação no pâncreas. Bom, mas todo mundo sabe que Raul Seixas é um malucão, que a metamorfose ambulante é a história da sua vida, etc e tal.

Eu me lembro de Raul como produtor de Jerry Adriani na CBS, onde era conhecido como Raulzito. Um cara 'caretíssimo', um ávido fã de rock & roll que não bebia, fumava, ou transava com as mulheres. Mas tinha jeito para escrever músicas interessantes e um ouvido afiado para produção.

(Aliás, seu próximo álbum vai ser produzido por ele mesmo).

Voltando à turnê: no dia 11 de agosto deixamos o Rio rumo à Curitiba, via São Paulo. Só que ficamos presos em são Paulo devido ao mau tempo. Raul levou todo mundo para comer suki-yaki num restaurante japonês.

No dia seguinte alugamos dois carros e fomos para Londrina, uma viagem de nove horas na maior chuva. Ainda bem que o show daquela noite foi cancelado, pois só havíamos tido um dia de ensaios.

Dia 13 - Sexta - Apucarana: Já que era sexta-feira 13 e eu viajava com Raul Seixas, o próprio bruxo, coloquei um pedaço de alho no bolso pra me proteger. Acordamos às 9 horas da manhã e fomos para Apucarana. Com a chuva e o frio intenso, todo mundo sentiu saudades do Rio. Dei três telefonemas para amigos.

O show foi num ginásio imenso. Apesar do frio e da chuva forte, conseguimos um bom público: 3.500 pessoas. O Flambo Trio - como fomos chamados - abriu o espetáculo. Tocamos uma música de B.B. King e uma improvisação que termina com Áureo dando um solo incrível na bateria que nunca deixa de ser aplaudido. Raul entrou com uma cara sombria e um casaco preto que o cobria do pescoço aos tornozelos. A plateia era uma mistura de estudantes e pessoas comuns da cidade. Pelo que pude notar, todos estavam de porre, inclusive nós. A gente tinha ensaiado o set do Raul naquela tarde mesmo, e fomos dependendo dele para para indicar as mudanças e acordes, Esse set incluiu Al Capone, SOS, Medo da Chuva, As Aventuras de Raul Seixas, Ouro de Tolo, 10.000 Anos Atrás, um rock & roll que misturava Roll Over Beethoven, Long Tall Sally, Ready Teddy e alguns rocks da sua própria autoria, como o Rock do Diabo. Terminamos o set com Sociedade Alternativa, onde Raul fez um discurso improvisado.

Dia 14 - Sábado - Maringá: Acordamos com um dia azul e frio. Tomamos café rapidamente e fomos para Maringá. Lemos num jornal que o nosso avião cor-de-rosa finalmente havia decolado de São Paulo e que uma das turbinas havia explodido em pleno ar. Mas conseguiu aterrissar numa boa.

Nosso show naquela noite foi basicamente o mesmo. Antes do show demos algumas entrevistas. Tudo como se fosse a mesma rotina do dia anterior. Dormimos falando da saudade do Rio.

Dia 15 - Domingo - Apucarana: Ontem aconteceu uma coisa que eu não sabia. Aparentemente alguém entrou no camarim do Raul dizendo pra 'maneirar' o seu discurso em Sociedade Alternativa. Raul me disse que esse tipo de coisa é muito comum, e que os pedidos sempre são feitos através de terceiros e nunca pela própria 'autoridade'..

Abrimos o show com Rock Me Baby, do LP de Jeff Beck chamado Truth. Aí, a pedido do Raul Seixas (ele adora Albert King), tocamos Born Under a Bad Sign. Tudo corria bem no set de Raul quando as pessoas começaram a gritar: 'Rock! Rock! Rock!'. É estranho tocar rock no Paraná e ser recebido com tanto entusiasmo. Quando o Flamboyant toca rock & roll no Rio sente muita resistência. Talvez seja esse o motivo de estarmos mudando nosso repertório e estilo para soul.

Depois do espetáculo fomos a um restaurante cheio de gente esperando por Raul. Fizemos algumas amizades e ninguém voltou pro hotel antes das 10 da manhã seguinte. Tinha sido o melhor dia.

Dia 16 - Segunda - Paranavaí: Como sempre, uma viagem sonolenta. Paramos em Maringá para almoçar na casa do Carlos Antônio, o promotor local. Essa coisa de empresário é muito confusa: Raul tem seu próprio empresário, depois vêm os empresários regionais como os Irmãos Mello, e depois os empresários locais (geralmente alguém da própria cidade). O empresário local pode ter um grêmio estudantil ou uma entidade ou sociedade independente. Cada show passa por três mãos diferentes, dando muita confusão. Nós e Raul fomos pagos sem demora, mas os Irmãos Mello tiveram que batalhar para receber sua grana, prometendo 'bailes' ou porcentagens sobre shows futuros. Haja saco.

Dia 17 - Terça - Umuarama: quando chegamos a Umuarama não havia reservas e tivemos que ficar num hotel de quarta categoria. O prefeito da cidade decretou um feriado para que os estudantes pudessem assistir o show, num cinema superlotado.

Depois do show nos convidaram pra ir a uma boate. No fim era mesmo um bordel, mas mesmo assim bebemos e dançamos com as mulheres. Passei o tempo todo procurando a Gabriela. Esse lugar só podia ser o Bataclan! Tinha até um juiz e várias figuras importantes da cidade. No fim da noite a madame fechou a casa e só ficamos nós. Tem um conjunto que fica lá tocando e resolvemos fazer um show improvisado. Carlinhos tocou órgão, eu toquei baixo e Raul tocou guitarra. O baterista foi mesmo o do conjunto da casa. (Áureo - O Sério- brigou comigo, porque eu disse que John Lennon era 'muito papo e pouco som', e foi embora pro hotel). Quando esse som terminou, eu e o Carlinhos fomos embora. O resto do pessoal curtiu os prazeres do salão de bacanal. E de graça!

Dia 18 - Quarta - Campo Mourão: Esse show também foi num cinema, mas choveu tanto que tivemos só metade do público previsto.

Depois do show, eu, Áureo e Carlinhos fomos pro hotel jogar cartas. Como não havia ninguém no bar, sentamos perto do balcão e nos servimos de birita à vontade. Só me lembro que fui carregado pro quarto pelo secretário de Raul. E o Áureo me apresentou uma conta de Cr$ 200, dizendo que era o que eu havia perdido pra ele no baralho!

Dia 19 - Quinta - Goiorê: Para chegar a Goiorê, viajamos em estradas de terra durante três horas. Pensei que a gente estivesse em Doge City, no faroeste. Todo mundo andava armado. O show foi no teatro mais caindo aos pedaços que já vi, mas a plateia - composta de vaqueiros, estudantes e prostitutas - foi muito boa. Fomos convidados pra ir a uma churrascaria, mas só o Raul aceitou o convite. Áureo é vegetariano e, sem a gente perceber, estava nos convertendo. Há três dias não comíamos carne. Raul apareceu depois pra nos levar a outra boate. O Áureo, como sempre, ficou no hotel.

Os estudantes sumiram com o dinheiro do show. Mello só recebeu às 5 horas da madrugada, depois de muita astúcia e conversa.

Dia 20 - Sexta - Marechal Rondon: Viajamos 6 horas numa estrada de terra pra chegar a Marechal Rondon. O show foi num clube, às 2 horas da manhã. O pessoal mais velho esperava que Raul desse um show como Moacyr Franco havia feito há algumas semanas. Não foi bem assim. Os mais jovens foram para a pista e dançaram freneticamente. Os mais velhos, nas mesas, não enxergavam nada. Aí o Raul fez um discurso bem forte que arrancou elogios da multidão mas chocou completamente os velhos e os diretores do clube.

Os promotores, diretores e demais membros da comunidade de Marechal Rondon queriam linchar o Raul depois do espetáculo. Alguns comentários: 'Subversivo!' 'Grosseiro!' 'Não vamos pagar, nos recusamos!' 'Quem é esse tal de Raul?'

21 - Sáb. 22 - Dom - Cascavel: Tocamos em Cascavel, onde encontrei a japonesa mais bonita que já vi. O repertório agora incluía Be-Bop-A-Lula (onde eu fazia um dueto tipo Everly Brothers com Raul)., Rock Around The Clock e Tente Outra Vez. Fechamos a turnê com chave de ouro."




6 comentários:

  1. Registro sensacional!!! Valeu por compartilhar, em algumas passagens me senti como se estivesse junto!! Rsrs!!
    Curti dmais!!!

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  2. Boa noite
    Me chamo José
    Fã do incondicional do Raul
    Em relação ao show de Umuarama, se transformou em um marco na minha história de de vida, eu tinha na epoca 14 anos,eu era engraxate, e engraxei alguns calçados da banda, e fui convidado a ajudar carregando alguns instrumentos, pedestais, caixas e etc..foram muito generosos comigo, me pagaram pelo trabalho, me pagaram lanche e me colocaram pra assistir o show, carregando a guitarra do Raul, confesso que foi muita emoção, depois de terminado o show subi no palco pra ajudar na desmontagem, tomei da mesma agua mineral com gás que o Raul tomou durante o show, me sentindo um componente da banda kkkk, depois me deixaram em casa, o carro da banda era uma veraneio
    Sobre o bordel não me lembro pois não me levaram até porque era adolescente, apesar que minha tia na época tinha um pequeno bordel na cidade
    Obrigado por terem feito parte de minha história

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  3. Há um conflito de datas aí, foram dois shows em Apucarana mesmo?

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    1. No dia seguinte alugamos dois carros e fomos para Londrina, uma viagem de nove horas na maior chuva. Ainda bem que o show daquela noite foi cancelado, pois só havíamos tido um dia de ensaios.

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