Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 6 de março de 2019

Disco de Tim Maia de 1971 - Resenha de Zé Rodrix (Jornal Rolling Stone - 1972)

O jornal Rolling Stone faz parte da cultura alternativa brasileira dos anos 70. Em sua edição nº 3, que circulou em fevereiro de 1972, o jornal em sua seção de resenhas de discos traz uma crítica do antológico segundo disco de Tim Maia, lançado em 1971, e assinada pelo músico Zé Rodrix, que assina como José Rodrix. Segue abaixo a resenha:
"Tim é um sujeito muito exigente. Só grava o que quer, onde quer, e quando quer. Recusou neste disco, o estúdio de 4 canais e os técnicos da Philips (com toda razão), e foi fazer seu disco na Somil, com o Celinho atrás da mesa; encheu o estúdio com os músicos de sua preferência e sentou a ripa. O resultado está aí na praça à disposição de qualquer um. Tim Maia vendeu uma respeitável quantidade de discos e, por isso, entre outras razões ganhou o direito ao que os menos divertidos analistas de mercado chamam de frescuras de gênio.
Acontece, minhas ovelhinhas, que as facilidades que o Tim encontra para fazer seu disco deveriam ser as condições normais de trabalho de um artista nas terras de El Rei Dom Manuel. No entanto, pela própria deformação ideológica dos responsáveis monetários pela indústria da música e dos já citados analistas de mercado, essas coisas de paz, tranquilidade e condições positivas são, como eu já disse, frescura de gênio, sendo gênio tomado pelo lado mais depreciativo, e frescuras tendo aquela conotação mais abichornada que todos conhecemos.
Tim Maia se coloca numa posição muito estranha: ou ele faz o disco que quer ou não faz disco nenhum. E colocar as estruturas comerciais de uma gravadora com o fiofó na parede, é coisa que nem Roberto Carlos consegue fazer.
De nenhuma forma eu estou advogando que as gravadoras abandonem a sua política de vendas. A culpa é mais nossa que delas. Cada um toma a sopa na temperatura que aparece, e alguns até preferem comer o mamão pelo lado podre. Nós operários do som é que temos a obrigação (e não mais o direito) de exigir o mínimo de condições para a realização do nosso trabalho. E não falo em meu nome, já que nada tenho a reclamar. Falo em nome de quem está começando; por favor, se for necessário ficar mais dois ou três anos sem gravar, fiquemos; só partamos pra luta quando o direito de escolha das armas, no campo de batalha e da munição for nosso. Porque o inimigo, esse já está escolhido faz horas.
Vamos seguir o exemplo do mano Tim.
Tim foi mais longe, nesse disco, na sua busca pessoal por um som definido. As raízes pessoais de TM vão da Tijuca até Nova Iorque e vice-versa. E o compadre se aprofundou mais em sua piscina de matéria-prima que qualquer outro. Não adianta nada dizer que o disco é chato, que é tudinho igual ao de sempre. A ideia da inovação não é essencial à obra de um artista, por mais que queiram me convencer disso. Tim Maia faz o que quer, se o que ele quer está no disco, muito que bem. As rapaziadas mais variadas consomem o mano. Não pode existir um conceito de análise baseado em deformações intelectuais do gosto, mas sim por si próprio. Eu não quero saber de teorias e novos enfoques. Quero saber porque uns gostam muito, outros mais ou menos (meu caso) e outros abominam. Os folclores de análise, modernosos, e meio sem forma, não vêm ao caso absolutamente.
Ora muito bem. Tim misturou suas coisas todas e fez o pequeno chiclete. Tem uma voz excelente & maleável. Letras comuns e integralmente consumíveis (porque integralmente consumidas há muito tempo). Uma banda de metais com um drive considerável., uma cozinha bastante entrosada. A descoberta do baião (ou redescoberta, ou retomada, ou qualquer outra coisa) e as comportas abertas de suas experiências em soul (argh!!). Nada difere muito de nada. Tem carrego e a mesmo tempo não tem. Mistura ainda timidamente o instrumental caboclo e estrangeiro (se exigem uma rotulação). Canta em inglês, as mesmas ideias que em português. Meu amor, eu vou, eu fui, eu te amo, idem, por aí. Os blues do disco não passam de imitações tímidas (sem necessidade). A gravação de Preciso Aprender a Ser Só ficou fraca., porque blues brasileiro Lupiscínio Rodrigues fez bem melhor. Observem com cuidado a faixa Meu País, que tem o Yes mais irônico que já vi na vida. Preferem Não Vou Ficar na voz de Roberto Carlos ou na do Tim? Só posso fazer perguntas ou dar dados. Eu admiro a personalidade de Tim Maia, que não aceita distorções na sua ideia, como ia acontecendo aí num programa do Flávio Cavalcanti e ele quase dá uma surra disciplinar num dos jurados do dito senhor, que depois pediu muitas desculpas, etc... Tim não admite colher torta em seu manjar. Notaram como dá poucas entrevistas? Pois é exatamente esse Tim Maia decidido e coerente o que ainda não saiu no disco, o que é uma pena. 
Zé Rodrix
Agora, linda mesmo é a ficha técnica, que diz até o nome dos músicos de cordas, esses eternos injustiçados, e na qual eu reencontrei o Capacete, que veio de Sampa só para gravar com o Tim. Dançável, audível, produção do próprio Tim, assessorado por Jairo Pires, a maior folha corrida de maus serviços prestados ao disco no Brasil. Só lamento a não inclusão do nome do arranjador que, presumo, sejam o Tim e Peter Thomas, o organista, que tocou muito acordeon com o nome de Gaúcho do Acordeon; e hoje é Peter Thomas, o dono dos bailes de sábado.
Não há mais nada a dizer. Há apenas muito a desejar.

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