Palavras Domesticadas

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terça-feira, 6 de setembro de 2016

Os 50 Anos de Caetano Veloso - Revista Visão (1992) - 1ª Parte

Em agosto de 1992 Caetano Veloso completava 50 anos. A data não poderia passar em branco, e a imprensa brasileira registrou o acontecimento com a importância que Caetano representa para as artes e cultura brasileiras. A revista Visão naquela semana de agosto trouxe uma matéria de capa com o músico baiano, ostentando a frase "O iluminado Caetano". Em seu edital da semana a revista destacava: "(...) Visão traz como reportagem de capa a apaixonante figura de um cinquentão, Caetano Veloso. Com ele, faz 50 anos uma geração luminosa e um lote de esperanças. Geração e esperanças íntegras, apesar de acompanharem os paradoxos, os excessos das últimas décadas. Não é por acaso que umas das canções mais repetidas do show e do disco Circuladô é Fora de Ordem, que tem como refrão o sentimento muito brasileiro de se flagrar estrangeiro no próprio solo: 'Alguma coisa está fora da ordem/ fora da nova ordem mundial.' É Caetano, espelho e reflexo, quem explica ao país: 'Há uma dor e uma grande alegria em que nós estejamos fora da nova ordem mundial. Nós somos diferentes.'
A matéria, de seis páginas, é assinada por Beatriz Coelho Silva e Dilson Osugi, e  segue abaixo a primeira parte;
"Totalmente demais. Caetano Veloso pertence a uma geração que despertou pra as profundas preocupações filosóficas, sociais, espirituais e estéticas no final de década de 50. Utilizou a sua obra para traduzir esse pensamento, extravasou os limites da música e da poesia e transformou a música popular brasileira nos últimos 25 anos. Entrou em todas as estruturas e saiu delas sem perder o rumo. Experimentou e misturou. Ao completar 50 anos, nesta sexta-feira, 7, Caetano Emanuel Viana Teles Veloso é o artista brasileiro mais moderno, brilhante e criativo do nosso tempo. E, num Brasil mergulhado numa crise ética e moral, ele prefere falar de sentimentos esquecidos, como o orgulho de ser brasileiro: 'Há uma dor e uma grande alegria em que nós estejamos fora da nova ordem mundial. Nós somos diferentes e dessa diferença podemos fazer uma coisa melhor, mais interessante do que os americanos fizeram até aqui. Criamos um estilo nacional e uma realidade racial diferentes'.
Mostra que não tem nenhuma vocação para a nostalgia. 'Quando a gente faz alguma coisa que caminha junto com o tempo, a gente se sente apenas  contemporâneo da história vivida', observa. Essa sensação também é compartilhada por outros quatro músicos que estão chegando aos 50 anos, cheios de esperança e muito enxutos. Completamente diferente da imagem tradicional de um cinquentão. A bem da verdade, Caetano, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Nana Caymmi e Paulinho da Viola têm em comum não só o ano de nascimento, mas também o fato de chegarem ao meio século de idade sem notar nenhum salto brusco em suas vidas. 
Por isso, em cima da hora, Caetano desistiu das comemorações. No início da semana, junto com  a mulher Paula Lavigne e o filho Zeca, ele embarcou para Nova York. E deixou a festa para o público. Muita coisa foi prometida para o seu aniversário. Pelo menos três livros: Caetano - esse  cara, do jornalista pernambucano Heber Fonseca, reunindo suas entrevistas à imprensa; Caetano, por que não?, um ensaio biográfico dos professores Ivo Luchesi e Gilda Diegues; e uma terceira biografia a ser escrita por Rodrigo Veloso, irmão mais velho do compositor. Mas, nesta sexta-feira, quando ele estivar completando 50 anos, os projetos ainda estarão, na melhor das hipóteses, no prelo.
De concreto, há só o especial gravado por Walter Salles Júnior (diretor de A grande arte), que vai ao ar em seis capítulos de uma hora, de segunda (10) a sábado (15), na Rede Manchete, e que posteriormente será transformado em home video pela Polygram. É um trabalho extenso e, de certa forma, inovador na televisão, a partir do sistema em que foi gravado. Ao invés de videotape, película de 16 milímetros, que aumenta a qualidade da imagem e dá mais recursos. 'Quando vimos o show, achamos que simplesmente não havia como registrar esse momento. Assim como Glauber Rocha ou João Gilberto sintetizaram perfeitamente o que este país viveu nos anos 60, Caetano é o melhor tradutor, e também o mais iluminado, deste  Brasil fora de todas as ordens', observa o diretor.
No programa, há Caetano  em quase todas as situações possíveis: fazendo o show Circuladô, no Imperator, no Rio de Janeiro; conversando e cantando com a mãe, dona Canô, em Santo Amaro da Purificação, sua terra natal, na Bahia ('Aprendi a cantar com minha mãe. E sobretudo aprendi a gostar de cantar com ela, porque ela cantava muito em casa e assoviava afinado. Sabia tantas canções antigas e tinha um prazer tão grande em cantar. A minha mãe sempre me passou uma sensação de muito prazer'); sendo entrevistado pelo jornalista Matinas Suzuki em estúdio e aproveitando para dedilhar o violão e cantar 40 de suas canções preferidas.
Rodado ao longo de oito meses, o programa leva Caetano de volta aos lugares onde viveu em Londres, há mais de 20 anos, e a lembrar dos acontecimentos que marcaram seu exílio e a prisão. 'Durante o Tropicalismo havia quase uma premonição de que aquilo era um grande sofrimento. O Gil tinha certeza de que aquela era uma coisa que envolveria sofrimento de algum modo. Eu não, eu era um pouco mais ingênuo. Mas não estava feliz. Eu não sentia aquilo como uma experiência maravilhosa para mim. Achava belo, achava importante, sentia que era forte, mas eu estava exilado, tinha estado preso, tinha medo de tudo, não conseguia dormir em Londres. Londres era chata', comenta. Entre essas imagens e lembranças, mesclam-se depoimentos do crítico Jon Pareles, do The New York Times, além de farto material de pesquisa. Mas Caetano ao vivo, no seu aniversário, não vai ter. Pelo menos no Brasil."

(continua)


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