Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Tropicália - Contracultura e Psicodelia


 Em sua edição de 18 de maio de 2008, o jornal O Globo publicou um caderno especial sobre os 40 anos de 1968, um ano marcante na cultura e política no mundo. No Brasil, o Tropicalismo refletia a efervescência cultural que acontecia por aqui. Numa matéria intitulada "Tropicália, o gesto inaugural no Brasil", o jornalista Mauro Ventura analisava o movimento: 

"Em 1968, a contracultura no Brasil teve seu marco com o lançamento do disco-manifesto 'Tropicália ou Panis et Cicencis', em que participam Gil, Caetano, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé.

- A Tropicália deu o primeiro passo para o que se chamou depois de 'contracultura'. Na época, no Brasil, ninguém usava essa palavra nem a noção de contracultura em relação à Tropicália - esclarece o brasilianista americano Christopher Dunn. - A Tropicália foi uma espécie de gesto inaugural da contracultura no Brasil.

Santuza Naves, autora com Maria Isabel Mendes de Almeida do livro 'Por que não? Rupturas e  continuidades da contracultura' (Editora 7Letras), concorda, apesar de ressaltar 'as diferenças significativas entre as experiências culturais nos EUA e nos países europeus, e no Brasil':

- Uma delas tem a ver com o fato de que a sensibilidade contracultural entrou aqui num período de radicalização da repressão política. Ao contrário da experiência solar dos hippies americanos e do seu lema 'paz e amor', nossa vivência foi noir, pesada, e não cabia a celebração. Outra diferença entre a contracultura na versão hippie e na tropicalista refere-se à aceitação pelo tropicalismo da cultura de massa, o que não encontra correspondência na visão alternativa dos hippies, que recusavam a sociedade industrial e a cultura de massa - diz ela, explicando que, por outro lado, um dos principais pontos em comum é a  crítica a instituições culturais vistas como repressivas, como família. - Isso costuma ser tematizado nas letras das canções tropicalistas, que falam, por exemplo, da 'sala de jantar, das pesadas refeições em família.'

Gil, Gal, Tom Zé e Mutantes

O cineasta e colunista Arnaldo Jabor também acredita que a contracultura brasileira não teve nada a ver com hippies e flower power, como no caso americano. Segundo ele, o hippismo chegou ao Brasil 'numa mistura de dor e política, machucado como uma flor pisada'. Aqui, diz, a contracultura não teve o momento feliz de Londres ou São Francisco, e 'só fomos aderir a ela como uma vingança masoquista à violência militar de 68, nunca tivemos a pureza floral dos hippies americanos, tomava-se LSD politicamente.

Caetano e Gil

Por outro lado, tem quem diga que só o que muda é o pano de fundo histórico.

- As motivações eram de fato diferentes - a ditadura militar aqui e a Guerra do Vietnã lá - mas a contracultura ultrapassava essas instâncias históricas - diz o jornalista Luiz Carlos Maciel. - No Brasil e em todo lugar, foi uma coisa juvenil contra a maneira de viver da cultura ocidental. Era algo mais amplo contra esse estilo de vida, essa escala de valores, que era considerada doentia tanto pelos hippies americanos do flower power como pelos desbundados subdesenvolvidos do Brasil ou de qualquer  outro lugar. 

Havia duas posições de resistência ao status quo.

- Havia os que estavam tomando porrada e havíamos nós, que criamos o desbunde, que era o contraponto da luta armada. Nenhuma outra espécie tinha a seu favor as praias e os trópicos - diz o jornalista Toninho Vaz.

Maciel confirma:

Jorge Ben, Caetano, Gil, Gal e Mutantes
- Após o Congresso de Ibiúna (em que foram presos cerca de mil estudantes), havia duas opções: os mais metidos a brigões, mais valentes, queriam ir para a clandestinidade. Os que não tinham esse temperamento preferiam queimar fumo, ficar ouvindo rock, de papo para o ar. Mas ambos estavam inconformados.

Culturalmente, esse inconformismo era expresso nas roupas (como as da loja Ao Dromedário Elegante), nas telas (como no cinema marginal de Rogério Sganzerla), no teatro (principalmente com José Celso Martinez Correa), na TV (com o programa 'Divino Maravilhoso', na Tupi), nas artes plásticas (com Hélio Oiticica, por exemplo) e na música.

No livro 'Contracultura através dos tempos', dos americanos Ken Goffman e Dan Joy, os autores citam a obra de Dunn, ao lado de 'Verdade Tropical', de Caetano, como tendo chamado a atenção do mundo para a Tropicália, 'uma praticamente desconhecida contracultura histórica, radical e centrada na música do final dos anos 1960 no Brasil'."
 




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