Palavras Domesticadas

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domingo, 17 de janeiro de 2021

Moraes Moreira: Buscando Nova Linguagem Musical (1982)


 Em 1982 Moraes Moreira vivia um bom momento em sua carreira. Seus discos vendiam bem, e eram geralmente bem recebidos pela crítica. Fazia muitos shows pelo Brasil, que sempre lotavam os locais em que se apresentava com seu frevo elétrico e contagiante. Em sua edição nº 59, que circulou naquele ano, a revista Música trazia uma matéria com o grande músico baiano:

" 'Não parar pra pensar, mas pensar sem parar'. Esta é a síntese do pensamento de Moraes Moreira, baiano de Ituaçú, que cresceu ao som do rádio e dos alto-falantes do Brasil.

Evoluir na linguagem musical e valorizar o ritmo foi sempre a preocupação que tornou-se mais viva a partir do Festival de Montreux, na Suíça, do qual Moraes participou ano passado. Um som contemporâneo com uma solução brasileira, portanto livre, aberto, moderno, sem imitação e que tenha eco no exterior é a atual intenção de Moraes. Fazer folclore ou música só para si não é seu objetivo.

'Estou recebendo o mundo todo o dia dentro da minha casa, por isso não posso ficar fazendo música só pra mim ou só para o Brasil. O meu último trabalho tem a pretensão de querer dar um voo além fronteiras.  E isso tem a ver com a linguagem musical que estou buscando, que é a de, através do som, sugerir. A pessoa pode até não entender o que é, porém está sentindo. A linguagem que eu procuro é a dos arranjos, é na maneira de apresentar a música pela harmonia, pela melodia ou pelo ritmo'.

Em novembro do ano passado, Moraes Moreira, ainda sob o 'pique' de Montreux, lançou o décimo terceiro disco de sua carreira. Ao mesmo tempo iniciou uma série de espetáculos pelo Brasil, que deve terminar após o verão, mostrando seus 13 anos de trabalho. O resultado até agora tem sido positivo, com o público cantando todas as composições do tempo dos novos Baianos.

Moraes tem se caracterizado pela constante preocupação em estar atento a manifestações e projetos contemporâneos, sabendo dosar razão e emoção em composições próprias, de um criador intuitivo. Por tudo isso, pode-se afirmar que Moraes Moreira já começou a perpetuar seu nome na MPB.

'Eu sempre quis fazer coisas pra toda vida; nunca quis fazer música para fazer sucesso um tempo e acabar. Eu acho que já possuo um trabalho perene. Algumas músicas, como 'Preta Pretinha' e 'Pombo Correio', eu tenho que cantar em quase todos os shows por causa dos pedidos da plateia. Quer dizer, são coisas que vão marcando o trabalho e que vão ficando pra outras gerações. Acho importante a minha contribuição, junto com a dos Novos Baianos, para a música brasileira. Mas não estou preocupado em fazer'.

Moraes Moreira assume com muita tranquilidade tudo o que fez em treze anos de  carreira. Os erros serviram para realimentar seu trabalho, a energia necessária para avançar e fazer cada vez melhor. A isto soma-se o amadurecimento profissional e pessoal, o que o fez encarar o sucesso com  naturalidade.

Inquieto e atento, ele fala do seu grande sonho: 'tenho vontade de mostrar meu trabalho no exterior, em qualquer lugar que for. E não só para mostrar como para aprender também. Acredito que já passou da hora da música brasileira acontecer lá fora, no mundo. Mas estamos conseguindo, o Flamengo é campeão, daqui a pouco a música; é o espaço cultural brasileiro que a gente vai tomar; esse espaço cultural tem que existir. E temos que trabalhar pra isso, porque as coisas entram aqui com tanta facilidade'.

Em seu último disco, além das canções balançadas  e alegres, Moraes Moreira acrescentou duas músicas em homenagem ao afoxé 'Filhos de Ghandi' da Bahia, um bloco que desfila anualmente no carnaval de Salvador com a missão mística de acalmar os ânimos, equilibrar os sentimentos, provocar uma sensação de paz. 'O Afoxé - explica Moraes - é uma coisa riquíssima, é um ritmo que pouca gente conhece, de uma riqueza superior à do reggae. É uma música negra fortíssima na Bahia. Se você for no afoxé 'Filhos de Ghandi' vai encontrar milhares de compositores, milhares de músicos. No afoxé 'Ilê Ayê' é outra coisa. A música negra da Bahia é fortíssima, existe mesmo. E é uma coisa que pouca gente tá sabendo porque folclorizou-se muito a música nordestina, ou seja o xote, o baião, o forró. Eu também componho utilizando esses gêneros, mas no momento estou mais interessado nos afoxés, nessa música negra'."
 


 

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